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sexta-feira, 20 de maio de 2011

ESTANTE DE ASSUNTOS

I

Estas notas estão sendo redigidas às 11.15 da manhã de 31 de maio. Hoje, 9 horas, os professores Oscar Cavalcante, Afrânio Nunes, Tomaz Areia Leão Filho e João Borges de Alcobaça levaram ao Governador Chagas Rodrigues a redação do projeto que beneficia o magistério secundário oficial. Aliás, tôdas as reivindicações acolhidas foram prometidas pelo Chefe do Executivo, que terá agora oportunidades de praticar ato de justiça com os professores, tanto daqui como de Parnaíba, com o aumento de vencimentos de Cr$ 7.600,00 para Cr$ 12.000,00 e ainda gratificação de magistério de Cr$ 3.000,00 ao completar o catedrático 10 anos de serviço.

II

Há 3 cargos de advogado de ofício: 2 em Teresina e 1 em Parnaíba. Desprezado pelo gôverno, depois de obter colocação em 1º lugar em concurso para êsses cargos, o advogado Raimundo Portela Richard impetrou mandado de segurança, concedido por 6 votos contra 1. O governador Chagas Rodrigues fêz a nomeação para Parnaíba. Richard foi novamente à Justiça, alegando que o mandado anteriormente requerido tinha objetivo de anular o ato governamental que nomeou, para Teresina, o bacharel Washington Raulino.

Agora há três dias o Des. Pedro Conde concedeu a Richard a segurança, liminarmente, anulando o ato do governador de nomeação para Parnaíba, com o que acatou o pedido de Richard para a vaga de Teresina, com a destituição de Raulino.

III

Em dois artigos, seguidamente, para "Fôlha da Manhã", Simplício Mendes pondera que o Governador Chagas Rodrigues "feriu a honra de velhos magistrados aposentados".

Perdendo, unânimemente, na Justiça local, que anulou a violência praticada no caso dos proventos dos aposentados, o Governador Chagas Rodrigues contratou advogado e interpôs recurso para o Supremo tribunal Federal.

IV

Para atender a consulta, vão aqui explicações a respeito de bangalô, tipo de casa pequena, de estilo leve e caprichoso, para moradia em subúrbio ou no campo.

Bangalô é aportuguesamento do inglês bungalow. Parece que o inglês foi buscar a palavra em língua de Bengala, na Índia, onde existe bangalã ou banglã e ainda bangló, conforme ao depoimento de Bonnaffé.

O dicionarista Figueiredo registra bangaló, habitação campestre, na Índia, talvez de acôrdo com a informação de Bonnaffé e a forma: bangló, que êste autor cita como indiana.

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Outros, como Ortiz, julgam que bangaló é de origem africana bunga, na língua mandinga o mesmo que casa. A essa expressão juntou o inglês o têrmo low, baixa, aglutinando os elementos e fazendo bungalow, casa baixa.

Convém lembrar que o português possui o vocábulo banga, do africano, com a significação de habitação rústica.

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Para que se evitem digressões, é bom considerar bangalô simples anglicismo, vindo diretamente do inglês bungalow. No diminutivo escreva-se bangalôzinho, conservando-se o acento circunflexo, de acôrdo com regra ortográfica.

V

Ontem, 30, mesa de debates na Rádio Difusora. Participantes: Diretor Matias Melo Filho, médico Hugo Bastos, Alencar, motorista e Presidente do Sindicato de classe, e o humilde autor destas linhas.

Problemas discutidos: Escola de Motoristas e circunscrições de trânsito, sinalização de estradas, tabelamento de percurso, guardas, exame psicotécnico, ignorância de sinalização em Teresina, revisão de carteiras expedidas, excesso de velocidade e buzina, estacionamento, problema de menores na direção de veículos e outros.

Concluí pela necessidade imperiosa de o esforçado Delegado Matias Melo Filho promover reuniões educativas, notadamente de motoristas amadores.

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Nesta oportunidade, reitero meus agradecimentos a Denis Clark, orientador de mesa de debates, pelas elogiosas palavras de incentivo com que enalteceu minha escolha como Interventor na Federação Piauiense de Futebol.

Estendo os agradecimentos aos ilustrados membros da mesa de debates e à numerosa assistência presente no auditório da simpática Difusora.

VI

O órgão oficioso "Estado do Piauí", edição de domingo, 29, ocupou-se, mais uma vez, da minha humildade. Xingou-me como quis e quanto quis, em artigo de 1ª página: jegue, jumento, leigo, imbecil, transviado, marginal e muitos outros têrmos do afeto consultorial, isto é, do Consultório. Razão dos xingamentos: ter eu comparecido, como convidado, de um programa de debates, na Rádio Clube, noite do dia 27, sexta-feira, em companhia do dr. Luís Cruz Vasconcelos, Prof. Celso Barros Coelho, Promotor Walter Sousa e advogado Francisco Mendes.

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Êsse jornalismo, felizmente, está superado. Quem, em jornal, se limita ao xingamento e ao impropério, revela incapacidade para ter idéias ou discutí-las.

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Em determinado trecho do artigo, asseveram os jornalistas oficiosos que o Promotor Walter Sousa já me levou ao banco dos réus. Se teve pretensão, nada tenho com a pretensão alheia. A verdade é que o ilustrado Promotor não conseguiu nem conseguirá o que pretendeu.

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Interessante, interessantíssimo, é que o jornal tinha minha burrice e leiguismo e dedica a quem é burro e leigo um artigo de fundo, com a importância de primeira página.

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Fato impressionante: o jornal muito se aborreceu porque, educadamente, considerei ilustrado o promotor Walter Sousa.

Que queria o jornal, que eu dissesse dêsse ilustre (repito) membro do Ministério Público?

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Poderia repetir aqui os largos elogios que me fêz o Prof. Luís Cruz Vasconcelos, pessoalmente e a dezenas de pessoas.

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Demais, estava eu num júri simulado, em que me pediram voto. Não compareci à Rádio Clube com um livro, uma anotação, limitando-me a julgar de conformidade com o que disseram os três participantes que me antecederam: o professor cearense, o dr. Celso Barros e o promotor Walter.

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Condenei, em dado momento, a inoportunidade daquele assunto em debate. Tratava-se, como disse, de processo já no domínio do Judiciário, e fui adiante. Demonstrei que aquele julgamento antecipado poderia ter influência no futuro júri verdadeiro, promovido pela Justiça.

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Segurei-me no exame das causas do drama das duas famílias. Ocasião alguma ofendi a qualquer delas, nem com palavra alguma feri os sentimentos do Governador Chagas Rodrigues e Prefeito José Alexandre.

Pelo "Jornal do Piauí", de domingo último, traduzi o pensamento que externei na reunião da Rádio Clube. Cumpre-me agora reiterar o que disse. O crime de Parnaíba foi aprovado principalmente por êstes fatôres:

1) politicagem, com o seu cortejo de explorações dos sentimentos morais de dois chefes de família, o dr. Clodoveu Cavalcanti e o Sr. Alcenor Candeira.

2) imprensa perversa, irresponsável, acolhedora de artigos contra a dignidade de uma espôsa e mãe.

3) interêsses subalternos de certos caracteres doentios, que alimentavam, em Parnaíba, malquerença e ódio entre dois chefes de família, prelibando o drama sangrento e a destruição de lares.

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Mostrei e demonstrei que o homem tem vida social e nêle não é possível conceber apenas vida fisiológica. A vida social supõe vida moral. Esta última é relativa à comunidade: quanto menor esta, mais intensa a primeira.

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Se o Direito torna legitima a reação contra a dor física, com mais razão há de legitimar a reação contra a dor moral, justamente a de que padecia o Dr. Clodoveu Cavalcanti. Há identidade entre a dor moral e a própria vida social do homem. Ninguém desconhece a profunda sugestação das pequenas comunidades nas atitudes dos seus membros para a defesa da honra.

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Hamon assim se exprime: "Numerosos crimes têm sido cometidos por pessoas sob o império de uma idéia. Esses agentes são realmente irresponsáveis. Os júris muito bem os absolvem. Houve nêles perturbações sob o efeito da emoção moral" (Determinismo e Responsabilidade).

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A dor moral leva o individuo a um estado de obnubilação da razão. Sob este aspecto ela (a dor) semelha a idéia fixa patológica. Daí a declaração de Bonnano: "Se o critério da lei positiva deve ser a justa e reta moderação da liberdade individual e da temibilidade do réu para o fim primordial da defesa da sociedade, não há alguma razão para punir homens que sempre foram honestos e bons e que somente foram levados ao delito pela ofensa de seus afetos mais caros".

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Peço que o leitor leia Ferri quando fala da tempestade psíquica para firmar: "indivíduos que têm as funções psiquicas perturbadas pela predominância de certos estados que rompem o equilíbrio psicológico e provocam impulsos irresistíveis, oriundos de causa moral, devem ser irresponsáveis" (Sociologia Criminal)

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Sejam consultados ainda Debierre, Fleury, Meccaci, Clouston.

O cientista Afrânio Peixoto levou para "Maria Bonita" e "Fruta do Mato" estas observações profundas: minha paixão, verdadeira idéia fixa, é o último pensamento a dormir, quando já não posso de cansado; é o primeiro a despertar, quando ainda não posso, sem descanso.

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Não existe o homem sem emoções. A lei nunca poderia inventar um ser contrário à criação. Ninguém, num julgamento, pode colocar de lado o homem e a sua sociedade. Não há homem-estátua.

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O problema nesse doloroso drama de Parnaíba é descobrir razões e não culpas. A dor moral de um homem na sua comunidade, por estar constrangido, deve permanecer apenas nos livros de psicólogos e sociólogos?

No crime da Parnaíba, não há apenas o triste destino da vítima que morreu, há também o interêsse social pelas vítimas vivas, que fatôres ambientais torturaram e levaram ao crime: má imprensa, política malsã, contumazes promotores de odiosidades.

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Chessman, com sua aguda percepção, escreveu: vivemos num mundo de normas, mas nem sempre num mundo normal.

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Gutis acentuava: se a Justiça emana da lei, Cristo morrei em vão.

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Absolvi a família Cavalcanti, no júri da Rádio Clube, aliás promoção um tanto insensata daquela emissora, pelas razões acima, assim resumidas: é grande o conceito de honra nas pequenas comunidades. Quanto mais restritas estas, mais intensa a dor moral. Debati o assunto confiado naquela aguda observação de Philips: tudo aquilo, no universo, que não possa ser debatido, não presta.

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É o caso de concluir parodiando o jornalista californiano Coates: a condenação da família Cavalcanti pode fazer que o “Estado do Piauí" se sinta melhor. Mas a mim, não.

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Êsse drama de duas famílias ilustres, a morte de inditoso Alcenor, as amarguras atuais da família Cavalcanti, a dor de uma viúva digna, a orfandade de crianças inocentes - tudo isto foi fruto da funesta orientação da imprensa parnaibana, que fugiu das suas responsabilidades para, publicamente, chamar desordeira a uma esposa e mãe; foi fruto da politicagem, que se aproveitou de incidentes triviais de um piquenique para levar duas famílias ao desespêro; foi fruto de certos caracteres doentios, cuja atividade, nesses instantes, é alimentar ódios e malquerenças.

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Que o drama sirva de lição e de exemplo.

VII

Até a hora em que escrevo, meio dia de 31 de maio, a 3ª feira, o prof. Valter Alencar continua na Secretaria de Segurança Pública. Razões? Aquelas que tenho dado aqui:

I - apoio da virtuosa espôsa do governador, D. Maria do Carmo Caldas Rodrigues.

II - apoio, também, do Sr. Valdemar Felinto, cunhado do Governador.

III - apoio do Senador Leônidas Melo, que já concorreu para a derribada do Dep. Paulo Ferraz da Secretaria de Educação, em virtude de incompatibilidades políticas e morais com o Dep. Cândido Ferraz.

IV - apoio do ilustre Prefeito José Alexandre, através de compromissos morais com Válter no caso da família Clodoveu Cavalcanti.

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Pode ser que Válter saia, tangido por circunstâncias políticas, mas só sairá se lhe faltarem, principalmente as forças que o apóiam. Se Leônidas e José Alexandre arriarem a carga, o talentoso Professor da Faculdade de Direito baixará a planície, onde lhe reservei um lugar de honra.

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Ainda é o caso de recordar o comício da praça Pedro II, em que o Chefe da Casa Militar, vestido de tôdas as responsabilidades do cargo, externou o pensamento oficial a respeito de alguns lideres udenistas: Joaquim Parente (desocupado), Paulo Ferraz (vendedor de picolés), Petrônio (prefeitinho) e Cândido Ferraz (traidor).

Êsse comício foi programado com a audiência do Governador. O comício e a passeata feita, depois do comício, a Carnaque. Nos jardins palacianos, o Sr. Chagas Rodrigues temperou a palavra mas chegou a qualificar Válter "o maior chefe de polícia do Piauí, desde a Colônia até a República de JK".

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Êsse comício e essa passeata terão sido em prévio consentimento do Governador? Não, tanto que quando os manifestantes chegaram a Carnaque, ali estava o Sr. Chagas Rodrigues metido em bonita roupa, ensapatado, engravatado.

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Mas é o caso de perguntar: pode a UDN, moralmente, apoiar o governo que tem como auxiliar de confiança imediata aquêle que define os seus líderes com epítetos tão jocosos e sarcásticos?

Se a UDN exige a queda de Válter, deve exigir igualmente a saída do Coronel Diogo Lustosa, cuja atitude não se harmoniza aos têrmos de um protocolo político de congraçamento.

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Muito melhor seria que o Sr. Chagas Rodrigues, caso demita Válter, pois Válter não pede exoneração, mandasse logo rasgar a Constituição do Estado, uma vez que lhe faltará, doravante, autoridade para gerir os negócios públicos. Entregar-se-á o Chefe do Executivo a tôdas as exigências da UDN, inclusive as de impor candidatos ao gôverno e exigir exoneração de autoridades por ela anteriormente indicadas, no início da atual administração, como se verifica do seguinte:

I - exigência de nomeação do ilustrado Sr. José Caddah, que não é udenista, mas apenas amigo pessoal do dep. Paulo Ferraz.

II _ exigência da degola do Prof. Válter Alencar, indicado pela UDN e que, ao que me consta, não traiu até agora o partido a que pertence, salvo se não permite a um Secretário de Estado recusar a indicação de nome para uma delegacia de polícia. 

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Ao depois, a demissão de Válter será a liquidação do governador Chagas Rodrigues, que capitulará frente a injunções partidárias, depois de haver públicamente apoiado as atitudes do prof. Válter Alencar.

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No momento final destas notas, 12:45 da manhã de 31, 3ª feira, está o Secretário Válter Alencar de vela na mão, à espera da caixa de fósforo que o Senador Leônidas talvez forneça ao Prefeito Alexandre para acendê-la.

A verdade é esta: a saída de Válter dependerá exclusivamente do recuo e da quebra de compromisso de Chagas, Alexandre e Leônidas, que atirarão o Secretário à planície se quiserem praticar grave êrro político, com a destruição do próprio princípio de autoridade do governante.

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A UDN, na tarde de hoje, insistirá ainda mais. Talvez caia Válter, mas destruirá muito o prestígio do Governador Chagas Rodrigues na opinião pública.

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Se cair, com o recuo do Governador, de Alexandre e Leônidas, a planície está às ordens.

cair, guardarei um lugar também para Diogo, que cumpriu ordens e será sacrificado por cumpri-las à risca.

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A planície é cômoda. Aguarde ainda o ilustrado prof. Valdemar Sandes, cuja cabeça está a prêmio.

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Se Válter sair, Caddah acabará mesmo, com uma cadajada, matando dois coelhos, ou dois secretários.


A. Tito Filho, 02/06/1960, Jornal O Dia

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