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sexta-feira, 20 de maio de 2011

ESTANTE DE ASSUNTOS

I

Estas notas estão sendo redigidas às 11.15 da manhã de 31 de maio. Hoje, 9 horas, os professores Oscar Cavalcante, Afrânio Nunes, Tomaz Areia Leão Filho e João Borges de Alcobaça levaram ao Governador Chagas Rodrigues a redação do projeto que beneficia o magistério secundário oficial. Aliás, tôdas as reivindicações acolhidas foram prometidas pelo Chefe do Executivo, que terá agora oportunidades de praticar ato de justiça com os professores, tanto daqui como de Parnaíba, com o aumento de vencimentos de Cr$ 7.600,00 para Cr$ 12.000,00 e ainda gratificação de magistério de Cr$ 3.000,00 ao completar o catedrático 10 anos de serviço.

II

Há 3 cargos de advogado de ofício: 2 em Teresina e 1 em Parnaíba. Desprezado pelo gôverno, depois de obter colocação em 1º lugar em concurso para êsses cargos, o advogado Raimundo Portela Richard impetrou mandado de segurança, concedido por 6 votos contra 1. O governador Chagas Rodrigues fêz a nomeação para Parnaíba. Richard foi novamente à Justiça, alegando que o mandado anteriormente requerido tinha objetivo de anular o ato governamental que nomeou, para Teresina, o bacharel Washington Raulino.

Agora há três dias o Des. Pedro Conde concedeu a Richard a segurança, liminarmente, anulando o ato do governador de nomeação para Parnaíba, com o que acatou o pedido de Richard para a vaga de Teresina, com a destituição de Raulino.

III

Em dois artigos, seguidamente, para "Fôlha da Manhã", Simplício Mendes pondera que o Governador Chagas Rodrigues "feriu a honra de velhos magistrados aposentados".

Perdendo, unânimemente, na Justiça local, que anulou a violência praticada no caso dos proventos dos aposentados, o Governador Chagas Rodrigues contratou advogado e interpôs recurso para o Supremo tribunal Federal.

IV

Para atender a consulta, vão aqui explicações a respeito de bangalô, tipo de casa pequena, de estilo leve e caprichoso, para moradia em subúrbio ou no campo.

Bangalô é aportuguesamento do inglês bungalow. Parece que o inglês foi buscar a palavra em língua de Bengala, na Índia, onde existe bangalã ou banglã e ainda bangló, conforme ao depoimento de Bonnaffé.

O dicionarista Figueiredo registra bangaló, habitação campestre, na Índia, talvez de acôrdo com a informação de Bonnaffé e a forma: bangló, que êste autor cita como indiana.

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Outros, como Ortiz, julgam que bangaló é de origem africana bunga, na língua mandinga o mesmo que casa. A essa expressão juntou o inglês o têrmo low, baixa, aglutinando os elementos e fazendo bungalow, casa baixa.

Convém lembrar que o português possui o vocábulo banga, do africano, com a significação de habitação rústica.

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Para que se evitem digressões, é bom considerar bangalô simples anglicismo, vindo diretamente do inglês bungalow. No diminutivo escreva-se bangalôzinho, conservando-se o acento circunflexo, de acôrdo com regra ortográfica.

V

Ontem, 30, mesa de debates na Rádio Difusora. Participantes: Diretor Matias Melo Filho, médico Hugo Bastos, Alencar, motorista e Presidente do Sindicato de classe, e o humilde autor destas linhas.

Problemas discutidos: Escola de Motoristas e circunscrições de trânsito, sinalização de estradas, tabelamento de percurso, guardas, exame psicotécnico, ignorância de sinalização em Teresina, revisão de carteiras expedidas, excesso de velocidade e buzina, estacionamento, problema de menores na direção de veículos e outros.

Concluí pela necessidade imperiosa de o esforçado Delegado Matias Melo Filho promover reuniões educativas, notadamente de motoristas amadores.

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Nesta oportunidade, reitero meus agradecimentos a Denis Clark, orientador de mesa de debates, pelas elogiosas palavras de incentivo com que enalteceu minha escolha como Interventor na Federação Piauiense de Futebol.

Estendo os agradecimentos aos ilustrados membros da mesa de debates e à numerosa assistência presente no auditório da simpática Difusora.

VI

O órgão oficioso "Estado do Piauí", edição de domingo, 29, ocupou-se, mais uma vez, da minha humildade. Xingou-me como quis e quanto quis, em artigo de 1ª página: jegue, jumento, leigo, imbecil, transviado, marginal e muitos outros têrmos do afeto consultorial, isto é, do Consultório. Razão dos xingamentos: ter eu comparecido, como convidado, de um programa de debates, na Rádio Clube, noite do dia 27, sexta-feira, em companhia do dr. Luís Cruz Vasconcelos, Prof. Celso Barros Coelho, Promotor Walter Sousa e advogado Francisco Mendes.

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Êsse jornalismo, felizmente, está superado. Quem, em jornal, se limita ao xingamento e ao impropério, revela incapacidade para ter idéias ou discutí-las.

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Em determinado trecho do artigo, asseveram os jornalistas oficiosos que o Promotor Walter Sousa já me levou ao banco dos réus. Se teve pretensão, nada tenho com a pretensão alheia. A verdade é que o ilustrado Promotor não conseguiu nem conseguirá o que pretendeu.

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Interessante, interessantíssimo, é que o jornal tinha minha burrice e leiguismo e dedica a quem é burro e leigo um artigo de fundo, com a importância de primeira página.

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Fato impressionante: o jornal muito se aborreceu porque, educadamente, considerei ilustrado o promotor Walter Sousa.

Que queria o jornal, que eu dissesse dêsse ilustre (repito) membro do Ministério Público?

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Poderia repetir aqui os largos elogios que me fêz o Prof. Luís Cruz Vasconcelos, pessoalmente e a dezenas de pessoas.

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Demais, estava eu num júri simulado, em que me pediram voto. Não compareci à Rádio Clube com um livro, uma anotação, limitando-me a julgar de conformidade com o que disseram os três participantes que me antecederam: o professor cearense, o dr. Celso Barros e o promotor Walter.

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Condenei, em dado momento, a inoportunidade daquele assunto em debate. Tratava-se, como disse, de processo já no domínio do Judiciário, e fui adiante. Demonstrei que aquele julgamento antecipado poderia ter influência no futuro júri verdadeiro, promovido pela Justiça.

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Segurei-me no exame das causas do drama das duas famílias. Ocasião alguma ofendi a qualquer delas, nem com palavra alguma feri os sentimentos do Governador Chagas Rodrigues e Prefeito José Alexandre.

Pelo "Jornal do Piauí", de domingo último, traduzi o pensamento que externei na reunião da Rádio Clube. Cumpre-me agora reiterar o que disse. O crime de Parnaíba foi aprovado principalmente por êstes fatôres:

1) politicagem, com o seu cortejo de explorações dos sentimentos morais de dois chefes de família, o dr. Clodoveu Cavalcanti e o Sr. Alcenor Candeira.

2) imprensa perversa, irresponsável, acolhedora de artigos contra a dignidade de uma espôsa e mãe.

3) interêsses subalternos de certos caracteres doentios, que alimentavam, em Parnaíba, malquerença e ódio entre dois chefes de família, prelibando o drama sangrento e a destruição de lares.

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Mostrei e demonstrei que o homem tem vida social e nêle não é possível conceber apenas vida fisiológica. A vida social supõe vida moral. Esta última é relativa à comunidade: quanto menor esta, mais intensa a primeira.

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Se o Direito torna legitima a reação contra a dor física, com mais razão há de legitimar a reação contra a dor moral, justamente a de que padecia o Dr. Clodoveu Cavalcanti. Há identidade entre a dor moral e a própria vida social do homem. Ninguém desconhece a profunda sugestação das pequenas comunidades nas atitudes dos seus membros para a defesa da honra.

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Hamon assim se exprime: "Numerosos crimes têm sido cometidos por pessoas sob o império de uma idéia. Esses agentes são realmente irresponsáveis. Os júris muito bem os absolvem. Houve nêles perturbações sob o efeito da emoção moral" (Determinismo e Responsabilidade).

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A dor moral leva o individuo a um estado de obnubilação da razão. Sob este aspecto ela (a dor) semelha a idéia fixa patológica. Daí a declaração de Bonnano: "Se o critério da lei positiva deve ser a justa e reta moderação da liberdade individual e da temibilidade do réu para o fim primordial da defesa da sociedade, não há alguma razão para punir homens que sempre foram honestos e bons e que somente foram levados ao delito pela ofensa de seus afetos mais caros".

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Peço que o leitor leia Ferri quando fala da tempestade psíquica para firmar: "indivíduos que têm as funções psiquicas perturbadas pela predominância de certos estados que rompem o equilíbrio psicológico e provocam impulsos irresistíveis, oriundos de causa moral, devem ser irresponsáveis" (Sociologia Criminal)

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Sejam consultados ainda Debierre, Fleury, Meccaci, Clouston.

O cientista Afrânio Peixoto levou para "Maria Bonita" e "Fruta do Mato" estas observações profundas: minha paixão, verdadeira idéia fixa, é o último pensamento a dormir, quando já não posso de cansado; é o primeiro a despertar, quando ainda não posso, sem descanso.

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Não existe o homem sem emoções. A lei nunca poderia inventar um ser contrário à criação. Ninguém, num julgamento, pode colocar de lado o homem e a sua sociedade. Não há homem-estátua.

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O problema nesse doloroso drama de Parnaíba é descobrir razões e não culpas. A dor moral de um homem na sua comunidade, por estar constrangido, deve permanecer apenas nos livros de psicólogos e sociólogos?

No crime da Parnaíba, não há apenas o triste destino da vítima que morreu, há também o interêsse social pelas vítimas vivas, que fatôres ambientais torturaram e levaram ao crime: má imprensa, política malsã, contumazes promotores de odiosidades.

*   *   *

Chessman, com sua aguda percepção, escreveu: vivemos num mundo de normas, mas nem sempre num mundo normal.

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Gutis acentuava: se a Justiça emana da lei, Cristo morrei em vão.

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Absolvi a família Cavalcanti, no júri da Rádio Clube, aliás promoção um tanto insensata daquela emissora, pelas razões acima, assim resumidas: é grande o conceito de honra nas pequenas comunidades. Quanto mais restritas estas, mais intensa a dor moral. Debati o assunto confiado naquela aguda observação de Philips: tudo aquilo, no universo, que não possa ser debatido, não presta.

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É o caso de concluir parodiando o jornalista californiano Coates: a condenação da família Cavalcanti pode fazer que o “Estado do Piauí" se sinta melhor. Mas a mim, não.

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Êsse drama de duas famílias ilustres, a morte de inditoso Alcenor, as amarguras atuais da família Cavalcanti, a dor de uma viúva digna, a orfandade de crianças inocentes - tudo isto foi fruto da funesta orientação da imprensa parnaibana, que fugiu das suas responsabilidades para, publicamente, chamar desordeira a uma esposa e mãe; foi fruto da politicagem, que se aproveitou de incidentes triviais de um piquenique para levar duas famílias ao desespêro; foi fruto de certos caracteres doentios, cuja atividade, nesses instantes, é alimentar ódios e malquerenças.

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Que o drama sirva de lição e de exemplo.

VII

Até a hora em que escrevo, meio dia de 31 de maio, a 3ª feira, o prof. Valter Alencar continua na Secretaria de Segurança Pública. Razões? Aquelas que tenho dado aqui:

I - apoio da virtuosa espôsa do governador, D. Maria do Carmo Caldas Rodrigues.

II - apoio, também, do Sr. Valdemar Felinto, cunhado do Governador.

III - apoio do Senador Leônidas Melo, que já concorreu para a derribada do Dep. Paulo Ferraz da Secretaria de Educação, em virtude de incompatibilidades políticas e morais com o Dep. Cândido Ferraz.

IV - apoio do ilustre Prefeito José Alexandre, através de compromissos morais com Válter no caso da família Clodoveu Cavalcanti.

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Pode ser que Válter saia, tangido por circunstâncias políticas, mas só sairá se lhe faltarem, principalmente as forças que o apóiam. Se Leônidas e José Alexandre arriarem a carga, o talentoso Professor da Faculdade de Direito baixará a planície, onde lhe reservei um lugar de honra.

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Ainda é o caso de recordar o comício da praça Pedro II, em que o Chefe da Casa Militar, vestido de tôdas as responsabilidades do cargo, externou o pensamento oficial a respeito de alguns lideres udenistas: Joaquim Parente (desocupado), Paulo Ferraz (vendedor de picolés), Petrônio (prefeitinho) e Cândido Ferraz (traidor).

Êsse comício foi programado com a audiência do Governador. O comício e a passeata feita, depois do comício, a Carnaque. Nos jardins palacianos, o Sr. Chagas Rodrigues temperou a palavra mas chegou a qualificar Válter "o maior chefe de polícia do Piauí, desde a Colônia até a República de JK".

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Êsse comício e essa passeata terão sido em prévio consentimento do Governador? Não, tanto que quando os manifestantes chegaram a Carnaque, ali estava o Sr. Chagas Rodrigues metido em bonita roupa, ensapatado, engravatado.

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Mas é o caso de perguntar: pode a UDN, moralmente, apoiar o governo que tem como auxiliar de confiança imediata aquêle que define os seus líderes com epítetos tão jocosos e sarcásticos?

Se a UDN exige a queda de Válter, deve exigir igualmente a saída do Coronel Diogo Lustosa, cuja atitude não se harmoniza aos têrmos de um protocolo político de congraçamento.

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Muito melhor seria que o Sr. Chagas Rodrigues, caso demita Válter, pois Válter não pede exoneração, mandasse logo rasgar a Constituição do Estado, uma vez que lhe faltará, doravante, autoridade para gerir os negócios públicos. Entregar-se-á o Chefe do Executivo a tôdas as exigências da UDN, inclusive as de impor candidatos ao gôverno e exigir exoneração de autoridades por ela anteriormente indicadas, no início da atual administração, como se verifica do seguinte:

I - exigência de nomeação do ilustrado Sr. José Caddah, que não é udenista, mas apenas amigo pessoal do dep. Paulo Ferraz.

II _ exigência da degola do Prof. Válter Alencar, indicado pela UDN e que, ao que me consta, não traiu até agora o partido a que pertence, salvo se não permite a um Secretário de Estado recusar a indicação de nome para uma delegacia de polícia. 

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Ao depois, a demissão de Válter será a liquidação do governador Chagas Rodrigues, que capitulará frente a injunções partidárias, depois de haver públicamente apoiado as atitudes do prof. Válter Alencar.

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No momento final destas notas, 12:45 da manhã de 31, 3ª feira, está o Secretário Válter Alencar de vela na mão, à espera da caixa de fósforo que o Senador Leônidas talvez forneça ao Prefeito Alexandre para acendê-la.

A verdade é esta: a saída de Válter dependerá exclusivamente do recuo e da quebra de compromisso de Chagas, Alexandre e Leônidas, que atirarão o Secretário à planície se quiserem praticar grave êrro político, com a destruição do próprio princípio de autoridade do governante.

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A UDN, na tarde de hoje, insistirá ainda mais. Talvez caia Válter, mas destruirá muito o prestígio do Governador Chagas Rodrigues na opinião pública.

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Se cair, com o recuo do Governador, de Alexandre e Leônidas, a planície está às ordens.

cair, guardarei um lugar também para Diogo, que cumpriu ordens e será sacrificado por cumpri-las à risca.

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A planície é cômoda. Aguarde ainda o ilustrado prof. Valdemar Sandes, cuja cabeça está a prêmio.

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Se Válter sair, Caddah acabará mesmo, com uma cadajada, matando dois coelhos, ou dois secretários.


A. Tito Filho, 02/06/1960, Jornal O Dia

terça-feira, 17 de maio de 2011

AINDA O CASO DA BOLSA

QUINTA-FEIRA última, o Egrégio Tribunal de Justiça julgou o mandado de Segurança impetrado pela Bolsa de Valores do Piauí contra ato do Governador do Estado, que aumentou o número de corretores de 7 para 9 e reformou o seu Regimento, à revelia da Câmara Sindical. Votaram seis ilustrados e dignos membros do Tribunal: Fernando Lopes, Vicente Ribeiro Gonçalves, Pedro Conde, relator, Eurípedes Melo, Vidal de Freitas e Heli Sobral, os dois últimos juízes convocados.

O DESEMBARGADOR relator e o Des. Vicente concederam a ordem, vencidos assim pelos 4 votos dos seus ilustres pares, que a negaram.

Escrevi em jornal de 5ª feira a respeito do assunto, mostrando que o governador do Estado agira arbitrariamente, com ofensas às leis federais e a própria Constituição de 1946. O meu artigo nada tem a com as pessoas dos nomeados, Srs. Raimundo Delbão Martins Rodrigues e Benedito José do Rêgo Neto, que merecem os cargos e reúnem qualidades morais e profissionais para o seu exercício; antes de tudo, quis revelar que o ilustrado Governador do Estado, para satisfação de desejos pessoais, derrotou a legislação federal, arremetendo até contra o princípio universalmente reconhecido da hierarquia das leis.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, na sua alta sabedoria, e pela maioria dos 6 dos membros que o constituíam, não julgou, porém, o mérito da questão: acolheu a preliminar do Procurador da Justiça de que o mandado de segurança era impetrado contra a lei de criação de cargos, e que não é possível mandado de segurança contra a lei em tese, desprezando a maioria dos julgadores o mérito da questão.

PELO RESPEITO que me merece o Tribunal, e pela fraqueza dos meus conhecimentos não devo discutir, nem apreciar a decisão; antes de tudo, acato-a e respeito-a como manifestação da consciência jurídica dos que a proferiram.

CIRCUNSTÂNCIA interessante: não sabia eu estar em pauta de julgamento esse mandado. Do contrário, não me teria manifestado a seu respeito no mesmo dia do julgamento. Apreciei os fatos de modo geral, sem que me animasse a intenção de influir na decisão dos eminentes julgadores, ou de estudar um caso já intensamente estudado pelo Tribunal.

MAS CABE-ME aqui um esquecimento, uma vez que, como jornalista, participei, desinteressadamente é bem de ver, da questão. Vali-me do direito político de opinião, que supõe espírito de justiça, dando a cada um o que é seu, lealmente, discernindo e julgando com critério objetivo e conhecimento de causa, como se exige dos magistrados.

NÃO DESEJO discutir, como afinal, o julgamento em si, a tese acolhida pelo Tribunal, na sua maioria. Como, porém, os magistrados não julgaram o mérito, sinto-me animado desta observação: houve certamente um equivoco no pedido da Bolsa, e nisto não vai critica a essa brilhante inteligência que é Celso Barros Coelho, que foi aliás advertido pelos próprios julgadores dêsse equivoco, quando o Des. Pedro Conde interpelou o Tribunal, e particularmente o Presidente, se se tratava, na petição inicial da Bôlsa, de arguição de inconstitucionalidade da lei que criou os dois cargos de corretor. Neste ponto, o talentoso Celso Barros Coelho, impetrante do mandado, esclareceu que a inconstitucionalidade estava arguida subsidiariamente.

CÁ NO MEU BESTUNTO, e dou mãos a bolos se estou errado, penso que a Bôlsa deveria ter arguido a inconstitucionalidade da lei criadora dos cargos, a lei 1.943, porque, se o Tribunal decretasse essa inconstitucionalidade estaria a reconhecer que a legislação federal era a única regedora da matéria e com isto mataria a reforma regimental decretada pelo Governador, uma vez que esta não obedeceu aos diplomas federais que orientam os regimentos de Bôlsas e as suas modificações. 

Muito bem acentua Claudio Pacheco, no seu admirável estudo das Constituições, que, se duas leis colidem uma com a outra, os tribunais devem julgar acêrca da eficácia de cada uma delas: "Assim, se uma lei está em oposição com a Constituição, se, aplicadas elas ambas a um caso particular, o Tribunal se veja na contingência de decidir a questão em conformidade da lei, desrespeitando a Constituição, desrespeitando a lei, o Tribunal deverá determinar qual destas regras em conflito regerá o caso. Esta é a verdadeira essência do poder judiciário". E abaixo escreve o ilustre constitucionalista: "Se, pois, os tribunais têm por missão atender a Constituição e observá-la e se a Constituição è superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinária, governará o caso a que ambas se aplicam".

ORA, lei estadual, a lei 1.025, de 12/6/54, determinou que a Bôlsa do Piauí se reja pela legislação federal, nem poderia assentar de outra forma, pois a legislação de Bôlsas de Valores é federal, decorrente do artigo 5º da Constituição. Não era possível, senão por manifesta subversão da ordem jurídica, que a lei do Governador Chagas Rodrigues, de nº 1.943, e o Regimento Interno feito pelo Secretário de Viação do atual Govêrno, vigorassem de encontro à orientação constitucional.

A CORRETAGEM é modalidade de comércio exercida pelo corretor, medianeiro obrigatório de certas operações mercantis. Os corretores na qualificação de Waldemar Ferreira, são agentes auxiliares de comércio, disciplinados pelo respectivo código. Suas atividades se exercem na Bôlsa de Valores, consoante o decreto-lei 1.344, de 13 de junho de 1939, e sua ação se desenvolve na compra e venda. Incluindo na sua competência - diz Cláudio Pacheco - a atribuição de legislar sôbre o direito comercial, a Constituição colocou a matéria em tôda a latitude do seu alcance sob o poder da União - e a nenhum gôverno seria dado regular o comércio.

DEMAIS, a legislação das Bôlsas de Valores, como decorrência do mandamento constitucional, é federal, tem precedência e predominância sôbre a estadual, que em alguns casos apenas será supletiva ou complementar.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, por maioria decidiu que não se pede mandado de segurança contra lei - certamente por acolher a tese de que contra a lei se levanta a censura de inconstitucionalidade. Não discuto a decisão. Apenas continuo a afirmar, pois os eminentes julgadores não participaram do mérito da questão, que são aberrantes tanto a lei como a reforma regimental com que Poderes Legislativo e Executivo atuais destruíram a hierarquia jurídica e derribaram a competência da União para legislar sôbre Direito Comercial.

CONTINUO também a pensar que a Bôlsa de Valores deveria ter levantado a inconstitucionalidade da lei 1.943, que criou mais 2 cargos de corretores, sem informação da Bôlsa.

VAI O BRILHANTE Celso Barros ao Supremo Tribunal. Estou quase a proclamar que o Pretório Excelso mandará que o Tribunal do Piauí se pronuncie sôbre o mérito, que êle, pela sua ilustrada maioria, desprezou, para ficar na preliminar sustentada pelo dr. Anísio Maia.

MAS Celso já se utilizou dêsse desprêzo que os ilustrados desembargadores deram ao mérito: impetrou novo mandado de segurança, desta vez pedindo que o Tribunal assegure, na sua plenitude, as prerrogativas que a legislação federal confere às Bôlsas e que foram violadas por uma lei estadual, da qual saiu um Regimento ofensivo à referida legislação federal.

REALMENTE, desprezando o mérito para acolher a preliminar de que não há mandado de segurança contra a lei em tese, o Tribunal deixou a porta aberta à nova interpretação que é, no caso, caminho certo.

AS LEIS EM TESE não admitem contra elas mandado, pelo fato de que elas não produziram efeito. Existem no papel. Desde que sejam aplicadas, não vigora o princípio da sua existência em tese, uma vez que dessa aplicação tenha nascido ofensa a direito alheio. No caso, a lei do governador Chagas Rodrigues e o Regimento criado para regulamentá-la ofenderam prerrogativas da Bôlsa de Valores, asseguradas, como direito líquido e certo pela legislação federal.

AGUARDO a decisão do importante caso confiado à serenidade dos ilustres magistrados e à competência profissional e intelectual dessa figura que honra a advocacia piauiense, o talentoso professor Celso Barros Coelho.


A. Tito Filho, 14/02/1960, Jornal O Dia

quarta-feira, 11 de maio de 2011

TEMAS DE HOJE

1

Inicialmente, esta explicação: o IEE está, no momento, dirigido por um irmão do Dr. Benjamim Monteiro Neto, Consultor Jurídico do Governo. Para que o público se capacite da isenção do meu espírito, confesso: o Dr. José Guilherme Monteiro assumiu o cargo há poucos dias. Não é, pois, responsável pela atual situação do IAEE. Poderá alguém supor que estas notas de condenação do IAEE tenham ligação com lutas velhas e novas travadas por mim e o Consultor de Carnaque. Não. Estas considerações nada têm a com o atual Diretor interino do IAEE. Têm com o IAEE, com a instituição em si, com as responsabilidades do IAEE, e visam a criticar e a sugerir, a sugerir principalmente, para que o IAEE se modifique e realize o seu objetivo.

*   *   *

Teresina semelha uma cidade morta, com os processos de vida do seu povo sufocados, paralisados: uma comunidade sem água, ou com água sem tratamento,s em luz, alumiada de querosene ou de vela, sem energia, com todos os seus recursos de produção mortos - pequena indústria, oficinas de reparo, comodidade do lar, restaurantes, aulas noturnas - tudo estancado, parado, com prejuízos incalculáveis, sem que o govêrno se ache com o dever de dar satisfação a quem quer que seja.

Tudo muito simples, simplório até, simplista: não há energia porque não há energia, como se a explicação satisfizesse os que vivem da energia ou dela precisam, ou como se a chocha satisfação das autoridades justificasse o descanso governamental.

*   *   *

Leia quem quiser a relação das 100 realizações que o govêrno publicou no dia 31 de janeiro:

Nº 32 - Instalação e inauguração de uma subestação transformadora na Usina Elétrica de Teresina, com transformador de 1.40 KW;

Nº 34 - Início da reforma e ampliação da rêde elétrica de Teresina;

Nº 38 - Criação da Central Elétrica do Piauí S.A. (Cepisa), com capital de Cr$ 600.000,00.

Nº 39 - Empréstimo de Cr$ 85.000,00 para o IAEE.

Estas realizações, numeradas pelo govêrno, foram publicadas pelo jornal "Estado do Piauí" como realizações consumadas, perfeitas, opinarás, como diria o Cel Otávio de Castro Melo.

*   *   *

Pergunta-se: e por onde anda a energia, depois que o governo confessa que tanto realizou?

*   *   *

Hoje, 2ª feira, 21.30 regressei da Faculdade de Filosofia (depois da aula com velas) na mais completa escuridão. Bondoso amigo me acompanhou até a choupana, que enxergo pouco e nada enxergo sem uma cousa que alumie o caminho.

Teresina dava a impressão de cidade abandonada, morta, no silêncio das trevas. Aqui e ali um transeunte perdido, amedrontado, candidato a taquicardias. Paz dos túmulos, com protestos abafados, com gritos que não saem, traídos pelo desespero, pela aflição de um povo condenado ao primitivismo de processos de vida.

*   *   *

E já agora quase 22 horas, à luz do velão de Cr$ 40,00 o pacote, reflito, pergunto-me e escrevo:

a) onde está a subestação transformadora?

b) que é do início da reforma e ampliação da réde elétrica?

c) por que mundo anda a Cepisa?

d) e o empréstimo de Cr$ 85.000.000,00?

Parece tudo sonho. Ou brincadeira de criança: que é de tudo isto que está no papel do jornal das 100 realizações?

Ora, vejam:

a) não existe subestação transformadora.

b) a reforma e ampliação da rede elétrica, confiada à Serva Ribeiro, é uma balela; 1) a Serva não tem recebido o dinheiro do contrato; 2) o contrato com a Serva prevê reforma da rêde urbana, logo não haverá ampliação; 3) os fios que a Serva estendeu não alcançam os bairros nem os suburbios, tanto que o Secretário Paulo Ferraz está alumiando sala de aulas, nas bandas da Piçarra, com bibianas fornecidas pelos alunos; 4) os fios urbanos não foram na sua totalidade substituídos pela Serva; 5) a instalação dos prédios de tôda a cidade continua velha, quase imprestável, pois contrato com a Serva não incluiu a substituição; 6) não existe Cepisa senão no papel; 7) o govêrno não disse se recebeu ou não o empréstimo de Cr$ 35.000.000,00.

*   *   *

É critica, insuportável, vexatória a situação de Teresina.

Que fez até agora o govêrno para resolvê-la? Nada, ou fêz muito, segundo me informaram: determinado o corte das instituições nas casas das que devem no IAEE, deslembrado de que o IAEE deve muito mais ao povo teresinense, inclusive a dívida mais importante: a intranqüilidade de tôdas as suas classes.

*   *   *

Essa cobrança desumana num momento de angústia resolve o precário e primitivo processo de vida do teresinense? Não. Angustia-o e revolta-o mais ainda - porque tudo no curso da vida tem um limite: o limite da paciência humana.

*   *   *

A Usina de Teresina consta de 3 unidades de 1.500 KW cada uma, podendo as três funcionar paralelamente, isto é, em conjunto. Em 1947, as necessidades desta Capital não foram além de 600 KW, na hora de maior carga. Naquele tempo, a potência da usina era excessiva.

Admitia-se o crescimento da população e as exigências comerciais e industriais do meio. Ainda assim, se regularmente funcionassem as 3 turbinas, Teresina não estaria a padecer a atual tormentosa situação.

*   *   *

Sou contra a lenha como combustível, lenha mais ou menos verde, com 20 a 50 por cento de água. Na elaboração técnica do plano de aquisição dessas máquinas da usina não foi esquecido o combustível que as alimenta com a possibilidade da substituição da lenha por óleo.

Tem a lenha poder calorífico reduzido. E basta salientar que a tonelada de lenha é vendida ao IAEE por Cr$ 350,00. Com lenha verde, admito que um KW custe ao IAEE no mínimo 2 quilos de lenha. Demais, sustentar essas turbinas com as matas do Piauí e do Maranhão é condenar os dois Estados à desertização.

Não conheço o atual prêço do óleo, mas a verdade é que o seu poder calorífico é extraordinário, com um poder de vaporização que chega a 16. Tem o óleo manejo mais econômico, sem o inconveniente da remoção das cinzas das fornalhas.

*   *   *

Acionar as 3 turbinas, que podem fornecer 4.500 KW apresentam, como se positivam: a lenha alimentas as turbinas da usina. Cabe interrogar:

a) estão funcionando ou estão capazes de funcionar as 3 turbinas, que podem fornecer 4.500 KW ao teresinense? Não.

b) qual a razão de não funcionarem as 3? Defeito técnico, ou falta de peça.

c) existe lenha para alimentar as turbinas ou turbina restante? Existe. Confessou-me um fornecedor que possui lenha para dois anos.

d) que priva o IAEE de lenha? Falta de pagamento dos seus débitos.

e) falta de pagamento por falta de dinheiro? Talvez sim, talvez não.

f) o IAEE arrecada muito e ainda recebe auxilio da Secretaria de Finanças. Para onde vai o dinheiro? Certamente para um funcionalismo que já não tem em que se sente na sede daquela autarquia.

*   *   *

A verdade nua e crua é que Teresina necessita de regularidade nesse fornecimento de água e energia. E o govêrno, antes de tudo, tem obrigação inadiável de resolver o problema, para que a vida do teresinense se normalize e para que os seus processos de vida realmente sejam processos de tranqüilidade social.

Agora, 23 horas, apaguei o velão: chegou luz, boa, vitalizante. Pelo menos no setor em que resido.

*   *   *

Caso o governo queira cousa melhor, entregue o serviço de luz, energia e água a Prefeitura de Teresina. Prefeitura é que deve suportar encargos municipais. Administração estadual é mais ampla, mais larga, menos circunscrita. Interessante: o govêrno estadual, no Piauí, limita-se a quebrar a cabeça para solucionar um problema municipal.

Resta saber se Petrônio almeja a herança.

2

Valdemar Chaves vai arrecadar êste ano, em venda de tomates, cêrca de Cr$ 1.000.000,00. A horta "São Raimundo", que pode abastecer Teresina dos melhores tomates que já comi, não conseguiu um centavo de auxílio dos poderes públicos.

Isto é Brasil.

3

Meu Colega na profissão de carregar cruz, Ferreira de Castro, foi chamado ao Rio pelo Deputado Dyrno Pires Ferreira.

O antigo vice-governador e antigo Diretor do IAEE agora deixará a profissão, com os meus aplausos.

4

Fazia tempo que não punha os olhos em Brito Melo. Quinta-feira eu o vi, corado, risonho, manhã cedo, na planície, que é o seu lugar. A planície sem Brito Melo tem um ar de pobreza, de tristeza permanente.

5

Aires Neto sempre Aires Neto: humano e compreensivo. Gente sofrendo, o Clube sem festa. Não houve o tradicional baile de Aleluia. Homenagem do Clube dos Diários a desolação da paisagem humana.

6

Vai aqui resposta a alguém que se diz admirador do jornalista e se assina um católico fervoroso:

1) noutra oportunidade escreverei a respeito do meu credo político.

2) abstinência consiste em não comer carne nem tomar caldo de carne em alguns dias determinados pela Igreja. Por lei da Igreja são obrigados à abstinência todos os cristãos que completem 7 anos de idade e que não estejam legitimamente dispensados. A recomendação foi do apóstolo São Paulo: "Bom é não comer carne nem beber vinho, nem cousa sem que teu irmão tropece, ou se escandalize ou enfraqueça (na fé)" - (Epístola aos Romanos - XIV-21). A lei do jejum prescreve uma única refeição ao dia, mas não proíbe que se tome algum alimento de manhã e à noite, nem proíbe comer carne.

A gente pode abster-se sem jejuar e jejuar sem abster-se ou pode fazer as duas cousas ao mesmo tempo.

3) Paixão, do verbo latino pati, sofrer, é o conjunto de sofrimentos do Divino Mestre, desde a sua prisão na noite de 5ª feira, sob o poder de Pôncio Pilatos, na cidade de Jerusalém, até a morte pela crucificação no Calvário.

4) Endoenças são as cerimônias que se celebram nos 3 últimos dias da Semana Santa.

5) Aleluia é palavra hebraica e significa louvai a Deus. É exclamação de alegria.

7

Leiam o artigo que, 5[ feira, neste jornal, escreveu Pedro Conde, uma das mais notáveis figuras do jornalismo piauiense, culto, extraordinariamente compreensivo e humano. E simples e claro no modo de expor idéias, com método, para convencer, para educar. Em "A Figura de Cristo", Pedro Conde enaltece a fé - justamente aquele traço divino que convida a viver, a ajudar - ou convida pelo menos a compreender e amar.

*   *   *

A fé é um processo de vida, ou o mais forte processo para a vida. Contrapõe-se ao desespero, ao mêdo, e impõe a resignação e a esperança. Talvez até o excesso de fé seja um sintoma de crise, mas a verdade é que a sua falta destrói a natureza divina do homem.

*   *   *

O piauiense está vivendo da sua fé. Ou pelo menos pode sofrer porque tem muita fé para suportar as dores da paisagem.

*   *   *

Luz de vela também é fé: lembra a morte e a religação com Deus.


A. Tito Filho, 21/04/1960, Jornal O Dia

segunda-feira, 9 de maio de 2011

NOTAS E COMENTÁRIOS

I

DESLEALDADE

GOVÊRNO algum, em parte alguma, dá tanto valor ao aniversário de uma administração; e dos Estados brasileiros só o Piauí se vale do estardalhaço, da ostentação ruidosa para o festejo que mortifica os cofres públicos dessangrando o Tesouro. Quanto pagou ou vai pagar a terra de Mafrense por páginas e páginas de propaganda no "Estado do Piauí" que estampou cêrca de dois metros de publicidade? E a propaganda radiofônica? Por quanto vai ser paga?

CONFESSO que não desejaria tratar dêsses assuntos, mas o órgão "Estado do Piauí", redigido em Carnaque, por alguém que me vota antipatia e ódio, no seu chamado artigo de fundo, publicou o seguinte, com referência à passada administração:

"... à dilapidação das verbas federais destinadas a execução de obras sob o regime de convênio, como aconteceu no Colégio Estadual do Piauí - onde não foi aplicado um centavo sequer do Estado - o Governador Chagas Rodrigues procurou restaurar a austeridade, adotando, por vezes, providências enérgicas, mas indispensáveis, embora desvirtuadas, em seu sentido, em campanhas de imprensa de certos interessados em manter-se em situações ilegais, incompatíveis com o dêcoro minímo do Poder Público".

O ARTIGO de que extrai o trecho acima foi escrito em Carnaque, certamente, porque, segundo li no Diário Oficial, o Govêrno possui Secretario de Imprensa na pessoa do Sr. Ofélio Leitão; além disso, os deputados do PTB e o Sr. Josípio Lustosa, aquêles diretores e este proprietário do órgão, têm afirmado, públicamente, que o jornal é orientado e redigido por Carnaque.

A PARTE transcrita me diz respeito porque era eu Diretor do Colégio Estadual do Piauí na administração do Sr. Gayoso e Almendra. Demais, não sou autor de campanhas como interessado em manter-me em situação ilegal; escrevi artigos de imprensa esclarecendo a situação jurídica de 07 professores vitalícios exonerados pelo Governador Chagas Rodrigues. Com meus colegas, fui reintegrado pelo Judiciário, logo é bem de ver que a situação já não tem ranço algum de ilegalidade.

NO TOCANTE a dilapidação de dinheiros públicos no Colégio Estadual, não passa de perversidade o que se publicou. Prestei publicamente conta de oitocentos e cinqüenta e cinco contos, destinados àquele educandário pelo govêrno federal. Nunca toquei num real dessa importância: todos os fornecedores e contratantes receberam pagamento na Secretaria das Finanças, com recibos visados pelo integro contador Tancredo Serra e Silva e pelo Secretário Joel Mendes. Do dinheiro não se furtou um tostão, como pode atestar ainda o Sr. Alcides Lebre, atual Secretário do Colégio Estadual. Em carta ao Sr. Ofélio Leitão, publicada em novembro de 1959, transcrevi tôda a documentação relativa a êsse dinheiro. Aliás, não assinei contrato nem convênio para a sua aplicação. O convênio ou contrato foi lido por mim já no atual govêrno, e está firmado pelo General Gayoso e pelo Sr. Gildásio Amado. Se o Estado não entrou com a sua parte, culpa alguma me cabe. Ainda posso invocar aqui, a respeito da aplicação dêsse dinheiro, o testemunho do ilustre Secretário Paulo Ferraz e do engenheiro Luís Walmor Barbosa de Carvalho, êste último responsável por soma vultosa, cêrca de trezentos contos, a que deu destino leal e legal, honestamente com rigorosa prestação de contas.

ESSES jornalistas oficiais proclamadores de austeridade são austeros na medida da suas fôrças, assim:

1) o dr. Raimundo de Brito Melo percebe dos cofres públicos, com pessoas da família que empregou em cargos de vencimentos superiores a doze mil cruzeiros, mais de cem mil cruzeiros.

2) o sr. Audir Rebêlo, sem nunca houvesse trabalhado em serviço de lepra, contou em dôbro o tempo de serviço com a alegação de que trabalhou no serviço de lepra. E austero ainda, ganha como Consultor Jurídico da Secretaria de Educação, parece que Cr$ 20.500,00 por mês, sem trabalhar, e ganha no Palácio de Carnaque. A fôlha de janeiro de 1960 manda pagar mais de oito mil cruzeiros de decênios a êsse funcionário, ilegalmente.

3) para que os jornalistas oficiais sejam mais austeros, o Dr. Benjamim Monteiro Neto está afastado da Inspetoria do Ensino, ganhando, e ganha em Carnaque como Consultor Jurídico. Muito razoavelmente, sessenta mil cruzeiros mensais.

4) o dr. Ofélio Leitão é advogado do Banco do Brasil, é professor de Geografia do Colégio Estadual, afastado do cargo com percepção integral de vencimentos e ainda Secretário de Imprensa do Palácio do Govêrno.

IRIA eu longe, mas fico por aqui. Ganhar bem para xingar os outros, ofendê-los na sua dignidade, na sua honra, é muito cômodo. O governador Chagas Rodrigues que, apesar dos pesares, apesar dos insultos que recebo da sua imprensa desvirtuada e angustiada, ainda me merece, um dia se convencerá de que os seus conselheiros de austeridade só desejam austeridade para o lombo alheio. Está o governante cercado de endeusadores, o que é natural; o extraordinário é que o Sr. Chagas Rodrigues, inteligente e perspicaz, acredita nesse endeusamento.

ALIÁS podem os moços de Carnaque ganhar a mancheias, que o seu dinheiro lhes pertence e dêle não tenho inveja: ganhem, mas ganhem para tudo menos para a inverdade, para o aviltamento dos outros, para processos de imprensa injustos e indignos.

TENHO-ME conservado, no jornal, com integral respeito às autoridades constituídas. Mas as autoridades constituídas têm o dever de respeitar-me, principalmente na minha dignidade, que pode servir de pasto a irresponsabilidade, salvo se o govêrno proclamar que não tem responsabilidade.

CONVENHAM todos em que a Imprensa tem o dever da verdade. Faltará ela à sua missão tôda vez que espelha ódios pessoais, para satisfação de objetivos ocultos. Não me servi ainda do jornal para crítica severa, para a denúncia de subornos ou da sua tentativa, porque não quero que se diga que o meu jornalismo é indiscreto ou humilhante. Estou no jornal com o fim de advertir, ajudar, esclarecer - e minha imprensa só se tem servido da advertência e do esclarecimento. Se o govêrno for honesto e bem intencionado, como trombeteia, então que bata palmas, uma vez que exclusivamente de honestidade e boa intenção me tenho servido na Imprensa.

O GOVERNADOR Chagas Rodrigues - e a honra é sua - tem obrigação moral de nortear com dignidade o jornalismo palaciano - pois se o govêrno quer ter imprensa além da oficial - e o Diário Oficial já circulou com propaganda exaustiva e ilegal - pelo menos oriente a sua imprensa com o respeito, a serenidade, a justiça, convenientes a quem governa. Não é Sua Excelência governante de grupos, mas do Piauí. A sua autoridade se exerce sôbre todos, não particularmente sobre alguns. De minha parte, jamais contribuirei para quebrar os laços do respeito que devo ao Governador do Estado e aos que o auxiliam. Dêle e dos seus auxiliares espero êste tratamento. Se os animam o desejo de servir o Estado, dêsse mesmo desejo sou animado. Cada qual com suas idéias: as minhas não promanam de intêresses subalternos, e até prova em contrário quero crer quem meus semelhantes ajam pela mesma forma.

É TEMPO de cada jornalista, ou até de cada falso jornalista contribuir para a elevação dos métodos e processos da imprensa piauiense. Não me atemorizam xingamentos: xingado tenho sido a mais não poder. Nas ocasiões em que leio o xingamento desabrido, lembro-me daquele velho princípio de filosofia confuciana: repara no modo por que te trata o semelhante, e julga o semelhante.

MAIS UM APÊLO ao governador Chagas Rodrigues: a verdade não é propriedade de muitos ou de poucos. Ela é de todos, desde que todos a digam, desde que nenhum a deturpe. A idéia pertence aos que podem tê-la, discutí-la, firmá-la ou negá-la. Acolhe o xingamento quem não pode ter idéias nem se acompanha da verdade. E o Governador do Estado, Magistrado Supremo, não deve permitir se faça do seu governo o xingamento, para sepultar a verdade e esclarecer com isto que não pode ter idéias. E ninguém concorre ou pode concorrer mais para a elevação da cultura - e jornal é cultura, ou manifestação desta - do que o govêrno.

REDUÇÃO

Em ofício aos Secretários do Estado, o Governador determina que se reduza a 40% por cento dos vencimentos a gratificação de função, quando o titular do cargo de confiança perceba por dois lados: pelo cargo, em que não trabalha, e pelo pôsto de confiança.

Os Diretores da Normal e do Liceu vão ficar em Cr$ 1.200,00 mensais - é o que me informam.

NOVA EMISSORA

Péssima, no 1º dia. O locutor das 6 horas da tarde do dia 31 deve procurar, com urgência, o Dr. Natan: o coração do jovem está bombeando demais. Outro fato: essa rádio, em anúncio de jornal, está promovendo concurso de locutores. Pede que os candidatos sejam de preferência bacharéis em Direito ou Filosofia.

RICHARD

Richard tirou o 1º lugar num concurso para advogado de ofício. O govêrno nomeou o décimo colocado. Richard impetrou mandado de segurança. O govêrno agora demitiu o nomeado em caráter efetivo e nomeou o demitido em caráter interino. Compreenderam? O govêrno anulou, com isto, o concurso. Para que concurso?

BÔLSA DE VALORES

Não sei em que pé anda o mandado de segurança da Bôlsa de Valores. Vou conversar com essa inteligência chamada Celso Barros Coelho. O govêrno com uma lei, revogou outra, retirando prerrogativa da Bôlsa para nomear novos corretores. Êste o caso. Aí a Bôlsa impetrou a segurança, depois de muitas tentativas de contôrno. O govêrno nomeou novos corretores, mas a Bôlsa não acatou as nomeações. Vou conversar com Celso Barros, para adiantar contar.


A. Tito Filho, 04/02/1960, Jornal O Dia