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terça-feira, 17 de maio de 2011

AINDA O CASO DA BOLSA

QUINTA-FEIRA última, o Egrégio Tribunal de Justiça julgou o mandado de Segurança impetrado pela Bolsa de Valores do Piauí contra ato do Governador do Estado, que aumentou o número de corretores de 7 para 9 e reformou o seu Regimento, à revelia da Câmara Sindical. Votaram seis ilustrados e dignos membros do Tribunal: Fernando Lopes, Vicente Ribeiro Gonçalves, Pedro Conde, relator, Eurípedes Melo, Vidal de Freitas e Heli Sobral, os dois últimos juízes convocados.

O DESEMBARGADOR relator e o Des. Vicente concederam a ordem, vencidos assim pelos 4 votos dos seus ilustres pares, que a negaram.

Escrevi em jornal de 5ª feira a respeito do assunto, mostrando que o governador do Estado agira arbitrariamente, com ofensas às leis federais e a própria Constituição de 1946. O meu artigo nada tem a com as pessoas dos nomeados, Srs. Raimundo Delbão Martins Rodrigues e Benedito José do Rêgo Neto, que merecem os cargos e reúnem qualidades morais e profissionais para o seu exercício; antes de tudo, quis revelar que o ilustrado Governador do Estado, para satisfação de desejos pessoais, derrotou a legislação federal, arremetendo até contra o princípio universalmente reconhecido da hierarquia das leis.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, na sua alta sabedoria, e pela maioria dos 6 dos membros que o constituíam, não julgou, porém, o mérito da questão: acolheu a preliminar do Procurador da Justiça de que o mandado de segurança era impetrado contra a lei de criação de cargos, e que não é possível mandado de segurança contra a lei em tese, desprezando a maioria dos julgadores o mérito da questão.

PELO RESPEITO que me merece o Tribunal, e pela fraqueza dos meus conhecimentos não devo discutir, nem apreciar a decisão; antes de tudo, acato-a e respeito-a como manifestação da consciência jurídica dos que a proferiram.

CIRCUNSTÂNCIA interessante: não sabia eu estar em pauta de julgamento esse mandado. Do contrário, não me teria manifestado a seu respeito no mesmo dia do julgamento. Apreciei os fatos de modo geral, sem que me animasse a intenção de influir na decisão dos eminentes julgadores, ou de estudar um caso já intensamente estudado pelo Tribunal.

MAS CABE-ME aqui um esquecimento, uma vez que, como jornalista, participei, desinteressadamente é bem de ver, da questão. Vali-me do direito político de opinião, que supõe espírito de justiça, dando a cada um o que é seu, lealmente, discernindo e julgando com critério objetivo e conhecimento de causa, como se exige dos magistrados.

NÃO DESEJO discutir, como afinal, o julgamento em si, a tese acolhida pelo Tribunal, na sua maioria. Como, porém, os magistrados não julgaram o mérito, sinto-me animado desta observação: houve certamente um equivoco no pedido da Bolsa, e nisto não vai critica a essa brilhante inteligência que é Celso Barros Coelho, que foi aliás advertido pelos próprios julgadores dêsse equivoco, quando o Des. Pedro Conde interpelou o Tribunal, e particularmente o Presidente, se se tratava, na petição inicial da Bôlsa, de arguição de inconstitucionalidade da lei que criou os dois cargos de corretor. Neste ponto, o talentoso Celso Barros Coelho, impetrante do mandado, esclareceu que a inconstitucionalidade estava arguida subsidiariamente.

CÁ NO MEU BESTUNTO, e dou mãos a bolos se estou errado, penso que a Bôlsa deveria ter arguido a inconstitucionalidade da lei criadora dos cargos, a lei 1.943, porque, se o Tribunal decretasse essa inconstitucionalidade estaria a reconhecer que a legislação federal era a única regedora da matéria e com isto mataria a reforma regimental decretada pelo Governador, uma vez que esta não obedeceu aos diplomas federais que orientam os regimentos de Bôlsas e as suas modificações. 

Muito bem acentua Claudio Pacheco, no seu admirável estudo das Constituições, que, se duas leis colidem uma com a outra, os tribunais devem julgar acêrca da eficácia de cada uma delas: "Assim, se uma lei está em oposição com a Constituição, se, aplicadas elas ambas a um caso particular, o Tribunal se veja na contingência de decidir a questão em conformidade da lei, desrespeitando a Constituição, desrespeitando a lei, o Tribunal deverá determinar qual destas regras em conflito regerá o caso. Esta é a verdadeira essência do poder judiciário". E abaixo escreve o ilustre constitucionalista: "Se, pois, os tribunais têm por missão atender a Constituição e observá-la e se a Constituição è superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinária, governará o caso a que ambas se aplicam".

ORA, lei estadual, a lei 1.025, de 12/6/54, determinou que a Bôlsa do Piauí se reja pela legislação federal, nem poderia assentar de outra forma, pois a legislação de Bôlsas de Valores é federal, decorrente do artigo 5º da Constituição. Não era possível, senão por manifesta subversão da ordem jurídica, que a lei do Governador Chagas Rodrigues, de nº 1.943, e o Regimento Interno feito pelo Secretário de Viação do atual Govêrno, vigorassem de encontro à orientação constitucional.

A CORRETAGEM é modalidade de comércio exercida pelo corretor, medianeiro obrigatório de certas operações mercantis. Os corretores na qualificação de Waldemar Ferreira, são agentes auxiliares de comércio, disciplinados pelo respectivo código. Suas atividades se exercem na Bôlsa de Valores, consoante o decreto-lei 1.344, de 13 de junho de 1939, e sua ação se desenvolve na compra e venda. Incluindo na sua competência - diz Cláudio Pacheco - a atribuição de legislar sôbre o direito comercial, a Constituição colocou a matéria em tôda a latitude do seu alcance sob o poder da União - e a nenhum gôverno seria dado regular o comércio.

DEMAIS, a legislação das Bôlsas de Valores, como decorrência do mandamento constitucional, é federal, tem precedência e predominância sôbre a estadual, que em alguns casos apenas será supletiva ou complementar.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, por maioria decidiu que não se pede mandado de segurança contra lei - certamente por acolher a tese de que contra a lei se levanta a censura de inconstitucionalidade. Não discuto a decisão. Apenas continuo a afirmar, pois os eminentes julgadores não participaram do mérito da questão, que são aberrantes tanto a lei como a reforma regimental com que Poderes Legislativo e Executivo atuais destruíram a hierarquia jurídica e derribaram a competência da União para legislar sôbre Direito Comercial.

CONTINUO também a pensar que a Bôlsa de Valores deveria ter levantado a inconstitucionalidade da lei 1.943, que criou mais 2 cargos de corretores, sem informação da Bôlsa.

VAI O BRILHANTE Celso Barros ao Supremo Tribunal. Estou quase a proclamar que o Pretório Excelso mandará que o Tribunal do Piauí se pronuncie sôbre o mérito, que êle, pela sua ilustrada maioria, desprezou, para ficar na preliminar sustentada pelo dr. Anísio Maia.

MAS Celso já se utilizou dêsse desprêzo que os ilustrados desembargadores deram ao mérito: impetrou novo mandado de segurança, desta vez pedindo que o Tribunal assegure, na sua plenitude, as prerrogativas que a legislação federal confere às Bôlsas e que foram violadas por uma lei estadual, da qual saiu um Regimento ofensivo à referida legislação federal.

REALMENTE, desprezando o mérito para acolher a preliminar de que não há mandado de segurança contra a lei em tese, o Tribunal deixou a porta aberta à nova interpretação que é, no caso, caminho certo.

AS LEIS EM TESE não admitem contra elas mandado, pelo fato de que elas não produziram efeito. Existem no papel. Desde que sejam aplicadas, não vigora o princípio da sua existência em tese, uma vez que dessa aplicação tenha nascido ofensa a direito alheio. No caso, a lei do governador Chagas Rodrigues e o Regimento criado para regulamentá-la ofenderam prerrogativas da Bôlsa de Valores, asseguradas, como direito líquido e certo pela legislação federal.

AGUARDO a decisão do importante caso confiado à serenidade dos ilustres magistrados e à competência profissional e intelectual dessa figura que honra a advocacia piauiense, o talentoso professor Celso Barros Coelho.


A. Tito Filho, 14/02/1960, Jornal O Dia

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