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quarta-feira, 11 de maio de 2011

TEMAS DE HOJE

1

Inicialmente, esta explicação: o IEE está, no momento, dirigido por um irmão do Dr. Benjamim Monteiro Neto, Consultor Jurídico do Governo. Para que o público se capacite da isenção do meu espírito, confesso: o Dr. José Guilherme Monteiro assumiu o cargo há poucos dias. Não é, pois, responsável pela atual situação do IAEE. Poderá alguém supor que estas notas de condenação do IAEE tenham ligação com lutas velhas e novas travadas por mim e o Consultor de Carnaque. Não. Estas considerações nada têm a com o atual Diretor interino do IAEE. Têm com o IAEE, com a instituição em si, com as responsabilidades do IAEE, e visam a criticar e a sugerir, a sugerir principalmente, para que o IAEE se modifique e realize o seu objetivo.

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Teresina semelha uma cidade morta, com os processos de vida do seu povo sufocados, paralisados: uma comunidade sem água, ou com água sem tratamento,s em luz, alumiada de querosene ou de vela, sem energia, com todos os seus recursos de produção mortos - pequena indústria, oficinas de reparo, comodidade do lar, restaurantes, aulas noturnas - tudo estancado, parado, com prejuízos incalculáveis, sem que o govêrno se ache com o dever de dar satisfação a quem quer que seja.

Tudo muito simples, simplório até, simplista: não há energia porque não há energia, como se a explicação satisfizesse os que vivem da energia ou dela precisam, ou como se a chocha satisfação das autoridades justificasse o descanso governamental.

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Leia quem quiser a relação das 100 realizações que o govêrno publicou no dia 31 de janeiro:

Nº 32 - Instalação e inauguração de uma subestação transformadora na Usina Elétrica de Teresina, com transformador de 1.40 KW;

Nº 34 - Início da reforma e ampliação da rêde elétrica de Teresina;

Nº 38 - Criação da Central Elétrica do Piauí S.A. (Cepisa), com capital de Cr$ 600.000,00.

Nº 39 - Empréstimo de Cr$ 85.000,00 para o IAEE.

Estas realizações, numeradas pelo govêrno, foram publicadas pelo jornal "Estado do Piauí" como realizações consumadas, perfeitas, opinarás, como diria o Cel Otávio de Castro Melo.

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Pergunta-se: e por onde anda a energia, depois que o governo confessa que tanto realizou?

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Hoje, 2ª feira, 21.30 regressei da Faculdade de Filosofia (depois da aula com velas) na mais completa escuridão. Bondoso amigo me acompanhou até a choupana, que enxergo pouco e nada enxergo sem uma cousa que alumie o caminho.

Teresina dava a impressão de cidade abandonada, morta, no silêncio das trevas. Aqui e ali um transeunte perdido, amedrontado, candidato a taquicardias. Paz dos túmulos, com protestos abafados, com gritos que não saem, traídos pelo desespero, pela aflição de um povo condenado ao primitivismo de processos de vida.

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E já agora quase 22 horas, à luz do velão de Cr$ 40,00 o pacote, reflito, pergunto-me e escrevo:

a) onde está a subestação transformadora?

b) que é do início da reforma e ampliação da réde elétrica?

c) por que mundo anda a Cepisa?

d) e o empréstimo de Cr$ 85.000.000,00?

Parece tudo sonho. Ou brincadeira de criança: que é de tudo isto que está no papel do jornal das 100 realizações?

Ora, vejam:

a) não existe subestação transformadora.

b) a reforma e ampliação da rede elétrica, confiada à Serva Ribeiro, é uma balela; 1) a Serva não tem recebido o dinheiro do contrato; 2) o contrato com a Serva prevê reforma da rêde urbana, logo não haverá ampliação; 3) os fios que a Serva estendeu não alcançam os bairros nem os suburbios, tanto que o Secretário Paulo Ferraz está alumiando sala de aulas, nas bandas da Piçarra, com bibianas fornecidas pelos alunos; 4) os fios urbanos não foram na sua totalidade substituídos pela Serva; 5) a instalação dos prédios de tôda a cidade continua velha, quase imprestável, pois contrato com a Serva não incluiu a substituição; 6) não existe Cepisa senão no papel; 7) o govêrno não disse se recebeu ou não o empréstimo de Cr$ 35.000.000,00.

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É critica, insuportável, vexatória a situação de Teresina.

Que fez até agora o govêrno para resolvê-la? Nada, ou fêz muito, segundo me informaram: determinado o corte das instituições nas casas das que devem no IAEE, deslembrado de que o IAEE deve muito mais ao povo teresinense, inclusive a dívida mais importante: a intranqüilidade de tôdas as suas classes.

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Essa cobrança desumana num momento de angústia resolve o precário e primitivo processo de vida do teresinense? Não. Angustia-o e revolta-o mais ainda - porque tudo no curso da vida tem um limite: o limite da paciência humana.

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A Usina de Teresina consta de 3 unidades de 1.500 KW cada uma, podendo as três funcionar paralelamente, isto é, em conjunto. Em 1947, as necessidades desta Capital não foram além de 600 KW, na hora de maior carga. Naquele tempo, a potência da usina era excessiva.

Admitia-se o crescimento da população e as exigências comerciais e industriais do meio. Ainda assim, se regularmente funcionassem as 3 turbinas, Teresina não estaria a padecer a atual tormentosa situação.

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Sou contra a lenha como combustível, lenha mais ou menos verde, com 20 a 50 por cento de água. Na elaboração técnica do plano de aquisição dessas máquinas da usina não foi esquecido o combustível que as alimenta com a possibilidade da substituição da lenha por óleo.

Tem a lenha poder calorífico reduzido. E basta salientar que a tonelada de lenha é vendida ao IAEE por Cr$ 350,00. Com lenha verde, admito que um KW custe ao IAEE no mínimo 2 quilos de lenha. Demais, sustentar essas turbinas com as matas do Piauí e do Maranhão é condenar os dois Estados à desertização.

Não conheço o atual prêço do óleo, mas a verdade é que o seu poder calorífico é extraordinário, com um poder de vaporização que chega a 16. Tem o óleo manejo mais econômico, sem o inconveniente da remoção das cinzas das fornalhas.

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Acionar as 3 turbinas, que podem fornecer 4.500 KW apresentam, como se positivam: a lenha alimentas as turbinas da usina. Cabe interrogar:

a) estão funcionando ou estão capazes de funcionar as 3 turbinas, que podem fornecer 4.500 KW ao teresinense? Não.

b) qual a razão de não funcionarem as 3? Defeito técnico, ou falta de peça.

c) existe lenha para alimentar as turbinas ou turbina restante? Existe. Confessou-me um fornecedor que possui lenha para dois anos.

d) que priva o IAEE de lenha? Falta de pagamento dos seus débitos.

e) falta de pagamento por falta de dinheiro? Talvez sim, talvez não.

f) o IAEE arrecada muito e ainda recebe auxilio da Secretaria de Finanças. Para onde vai o dinheiro? Certamente para um funcionalismo que já não tem em que se sente na sede daquela autarquia.

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A verdade nua e crua é que Teresina necessita de regularidade nesse fornecimento de água e energia. E o govêrno, antes de tudo, tem obrigação inadiável de resolver o problema, para que a vida do teresinense se normalize e para que os seus processos de vida realmente sejam processos de tranqüilidade social.

Agora, 23 horas, apaguei o velão: chegou luz, boa, vitalizante. Pelo menos no setor em que resido.

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Caso o governo queira cousa melhor, entregue o serviço de luz, energia e água a Prefeitura de Teresina. Prefeitura é que deve suportar encargos municipais. Administração estadual é mais ampla, mais larga, menos circunscrita. Interessante: o govêrno estadual, no Piauí, limita-se a quebrar a cabeça para solucionar um problema municipal.

Resta saber se Petrônio almeja a herança.

2

Valdemar Chaves vai arrecadar êste ano, em venda de tomates, cêrca de Cr$ 1.000.000,00. A horta "São Raimundo", que pode abastecer Teresina dos melhores tomates que já comi, não conseguiu um centavo de auxílio dos poderes públicos.

Isto é Brasil.

3

Meu Colega na profissão de carregar cruz, Ferreira de Castro, foi chamado ao Rio pelo Deputado Dyrno Pires Ferreira.

O antigo vice-governador e antigo Diretor do IAEE agora deixará a profissão, com os meus aplausos.

4

Fazia tempo que não punha os olhos em Brito Melo. Quinta-feira eu o vi, corado, risonho, manhã cedo, na planície, que é o seu lugar. A planície sem Brito Melo tem um ar de pobreza, de tristeza permanente.

5

Aires Neto sempre Aires Neto: humano e compreensivo. Gente sofrendo, o Clube sem festa. Não houve o tradicional baile de Aleluia. Homenagem do Clube dos Diários a desolação da paisagem humana.

6

Vai aqui resposta a alguém que se diz admirador do jornalista e se assina um católico fervoroso:

1) noutra oportunidade escreverei a respeito do meu credo político.

2) abstinência consiste em não comer carne nem tomar caldo de carne em alguns dias determinados pela Igreja. Por lei da Igreja são obrigados à abstinência todos os cristãos que completem 7 anos de idade e que não estejam legitimamente dispensados. A recomendação foi do apóstolo São Paulo: "Bom é não comer carne nem beber vinho, nem cousa sem que teu irmão tropece, ou se escandalize ou enfraqueça (na fé)" - (Epístola aos Romanos - XIV-21). A lei do jejum prescreve uma única refeição ao dia, mas não proíbe que se tome algum alimento de manhã e à noite, nem proíbe comer carne.

A gente pode abster-se sem jejuar e jejuar sem abster-se ou pode fazer as duas cousas ao mesmo tempo.

3) Paixão, do verbo latino pati, sofrer, é o conjunto de sofrimentos do Divino Mestre, desde a sua prisão na noite de 5ª feira, sob o poder de Pôncio Pilatos, na cidade de Jerusalém, até a morte pela crucificação no Calvário.

4) Endoenças são as cerimônias que se celebram nos 3 últimos dias da Semana Santa.

5) Aleluia é palavra hebraica e significa louvai a Deus. É exclamação de alegria.

7

Leiam o artigo que, 5[ feira, neste jornal, escreveu Pedro Conde, uma das mais notáveis figuras do jornalismo piauiense, culto, extraordinariamente compreensivo e humano. E simples e claro no modo de expor idéias, com método, para convencer, para educar. Em "A Figura de Cristo", Pedro Conde enaltece a fé - justamente aquele traço divino que convida a viver, a ajudar - ou convida pelo menos a compreender e amar.

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A fé é um processo de vida, ou o mais forte processo para a vida. Contrapõe-se ao desespero, ao mêdo, e impõe a resignação e a esperança. Talvez até o excesso de fé seja um sintoma de crise, mas a verdade é que a sua falta destrói a natureza divina do homem.

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O piauiense está vivendo da sua fé. Ou pelo menos pode sofrer porque tem muita fé para suportar as dores da paisagem.

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Luz de vela também é fé: lembra a morte e a religação com Deus.


A. Tito Filho, 21/04/1960, Jornal O Dia

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