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quinta-feira, 16 de junho de 2011

VOZES DA CIDADE

Noite de 5ª feira, dia 28: estou reunindo êstes assuntos para a edição do dia 1º de maio, feriado nacional e domingo ao mesmo tempo, em que se comemora o Trabalho e se exaltam as virtudes do trabalhador, não havendo esquecimento, por parte dos oradores, dos chamados sagrados direitos da classe operária, sempre sagrados na oratória chocha e convenientemente desrespeitados nos bastidores dos que manejam êste país com dinheiro e subôrno.

Neste país houve alguém, nos idos de 1930, que começou a ditar uma legislação de amparo ao trabalhador urbano: o Sr. Getúlio Vargas. Essa legislação foi praticamente enfeixada na chamada Consolidação das Leis do Trabalho, que se promulgou, se a memória não falha, em novembro de 1943. Mussolini foi o seu inspirador.

Estou esperando que nasça no Brasil outro homem, um que não ignore que os trabalhadores do campo também possuem dignidade, personalidade humana.

Pelas colunas do "Jornal do Piauí", que circulará também a 1º de maio, escreverei ou sugere para a responsabilidade dos homens que governam.

II

Certos setores da opinião pública se mostram sobressaltados ante as persistentes absolvições de réus que são levados a julgamento, no Tribunal do Júri. Até aí tudo muito bem: é justo que a opinião autorizada da imprensa e do rádio advirta a sociedade dessa condescendência, geradora da impunidade, que por sua vez é convite ao crime. Mas dessa advertência justa e até imperiosa não se chegue ao critério errôneo de procurar obscurecer o raciocínio dos que necessitam de orientação para julgar fatos e opiniões. Atribuir à Justiça como Poder, como instituição, à Justiça togada, técnica, a responsabilidade dessas absolvições é desconhecer o júri, o processo do júri, a capacidade do júri, a responsabilidade do júri, constituído de um corpo de juízes de fato, escolhidos dentre os que não exercem função de judicatura, organizado muita vez ou as mais das vêzes ou sempre de pessoas leigas, sem contato de qualquer natureza com a vida do Direito e das Leis.

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Os jurados são escolhidos por sorteio. Têm as partes prerrogativas de recusá-los, até certo número. Antes da realização do júri são os seus nomes publicados, conhecidos, e daí o amaciamento, através de pedidos, de rogações, de promessas e até de subôrno. Em se desprezando essas circunstâncias, tendo-se em conta a honorabilidade da quase totalidade dos cidadãos chamados a julgar, ainda assim atuam os jurados sob pressão psicológica, donde dimanam situações afetivas, simpatias, o que os leva a esquecer circunstâncias do crime para atender circunstâncias de momento, relacionadas com a compaixão natural que o réu desperta e insinua.

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O Poder Judiciário, em si, não pode ser responsabilizado pela má orientação de juízes de fato, leigos, que julgam em nome da sociedade a que pertence o réu. Não é de bom aviso julgar nos dias imediatos ao crime, quando as paixões ainda não arrefeceram? Mas a longa duração dos processos, necessária muitas vezes aos trabalhos de elucidação e esclarecimento, leva a sociedade a esquecer o crime e a sua vítima, para fixar-se na personalidade do agente, humana também, que provoca sensibilidade e enternecimento.

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Não cabe à Justiça técnica responsabilidade nessas absolvições freqüentes. A ela compete aquilo de que ela se desincumbe com respeito e fiel à sua missão: promover o processo, instruí-lo, assegurar direitos e impor cumprimento de deveres, exigir exação nos prazos, não transigir com a segurança do funcionamento da instituição do júri e dar cumprimento às suas decisões.

Na direção dos trabalhos, o Juiz limita-se aos atos processuais e a organizar o questionário aos jurados, que manifestam as indicações da sua consciência em votação secreta. Releva acrescentar que os quesitos são concebidos em conformidade com as teses defendidas e sustentadas pela acusação e defesa.

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Gradeie-se, neste particular, a correção com que o Juiz João de Deus Lima tem dirigido os trabalhos do Tribunal do Júri. E medite-se na compostura, discernimento e dignidade com que o Desembargador Robert de Carvalho orienta o Poder Judiciário, para que se chegue à conclusão honesta e sensata de que a falência, em certos casos, da instituição do júri é da conta dos membros do conselho de sentença, de cuja consciência individual dos seus membros não pode participar a vontade pessoal de quem quer que seja, senão escusamente e por processos criminosos.

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Os maus julgamentos do Tribunal do Júri só podem acarretar remorso aos que os ditam: jamais podem desacreditar o Poder Judiciário.

III

Hoje, 28, pela manhã, abracei, antecipadamente, a Júlio Vieira, que amanhã, 29, atinge a casa dos 55, novo em fôlha, jornalista dos maiores desta terra, cujos artigos valem um jornal.

IV

A revista "Caravana", que se edita no Rio de Janeiro, reproduziu as 100 realizações do govêrno do ilustre amigo Chagas Rodrigues. Lá está a caixa-dágua de 4.000 litros, estantando o Brasil, a alfaiataria da Polícia, sucessora de Jacques Fath, o Lactário com leite Fisi, que como banana, engorda e faz crescer, o Departamento de Presídios, que tem como sede a cadeia velha, construída em 1865, a Central de Polícia, em que trabalharam presos correcionais, gratuitamente, e em que se gastou Cr$....... 1.000.000,00 dos dinheiros de serviços federais e de particulares, e a Escola de Polícia, ilegalmente criada, sem lei organizadora, como determina a Constituição.

"Caravana" publicou tudo, e aí é que faltou a censura do Delegado Humberto Coelho, para evitar que outros governos, pois penso que "Caranava" circula em tôda parte, seguissem o exemplo, e outros polícias copiassem a orientação, deturpadores da personalidade dos ilustres Drs. Chagas Rodrigues e Válter Alencar.

V

Em Parnaíba, o secretário da Educação da Prefeitura protestou contra o Tribunal, que, por uma das suas Câmaras, concedeu habeas-corpus aos Drs. Clodoveu Cavalcanti e Clodoveu Filho. O protesto manifestou-se assim: o Secretário compareceu à Delegacia de Polícia, exigiu as chaves, encaminhou-se aos xadrezes e soltou cinco gatunos. Resultado do protesto: o Sr. Baluz, na noite do mesmo dia, foi roubado em grossos haveres.

Isto é Brasil.

VI

O Tribunal de Contas do Estado, a conselho do Governador Chagas Rodrigues, fêz severa redução nos proventos dos magistrados aposentados, contra o voto do Juiz Aarão Parentes. Êsses antigos juízes estavam a padecer ato violento e desumano, no fim da vida, depois de 30 e 40 anos de serviço.

O ilustre Chefe do Executivo encaminhou as resoluções do Tribunal ao DAG, para os devidos fins, isto é, para o corte impiedoso.

Não se conformaram os prejudicados. Reclamaram à Justiça, pela via constitucional do mandado de segurança.

Destas colunas, dezenas de vêzes comentei o fato: hoje, 28, o Tribunal de Justiça, por unanimidade, anulou o ato do Executivo, restabelecendo o direito violentado.

Foi relator do processo o brilhante Des. Pedro Conde. Estiveram impedidos os Des. Robert Carvalho, filho do Des. Cronwell Carvalho, vítima, o Des. Eurípedes Melo, irmão do Senador Leônidas Melo, vítima, e o Des. Sátiro Nogueira, sobrinho do Des. Adalberto Correia Lima, vítima.

Pela vitória, recebi honroso convite: papo de peru comemorativo na residência dêsse infatigável Simplício Mendes.

VII

Para maior segurança das investigações policiais, o Delegado Humberto Coelho impôs incomunicabilidade a um dos autôres do roubo das jóias do Dr. Jorge Tajra.

Ligeira incompreensão entre "Fôlha da Manhã", que não se conformou com a sonegação de notícias, por razão da incomunicabilidade, levou o Secretário de Segurança a afastar o Sr. Humberto Coelho da Delegacia de Segurança, segundo me informam, depois que o Secretário afirmou solidariedade ao Delegado e ao mesmo tempo ao jornal.

Do meu ponto de vista, penso que "Fôlha da Manhã" defende um princípio sagrado, justo, irrecusável. Por outro lado, a Polícia pode adotar medidas acauteladoras da sua ação investigadora.

Nos centros adiantados a praxe é o entendimento de autoridades e jornalistas para que se assegure a eficácia das medidas policiais. Infelizmente, no caso do roubo das jóias, não se salientou essa norma.

Na América do Norte - e muito tenho lido a respeito - a Polícia tem na Imprensa, e no Rio e São Paulo o mesmo se verifica, uma grande auxiliar. Colaboram intimamente repórteres e detetives. Sonegam-se à publicidade certos ângulos do crime, mas sem que os jornalistas os desconheçam: calam, apenas, por precaução.

VIII  

Retornou de São Paulo, Alberôni Lemos, que visitou o "Estado de são Paulo" a convite de Júlio Mesquita Filho, Diretor dêsse grande órgão da imprensa paulista.

Alberôni continua a carregar cruz: com dois filhos inteligentes, dos melhores alunos que tive, no Pedro II, com bôlsa de estudos, foi obrigado a bater às portas da Justiça para reclamar o cumprimento da lei que manda o Govêrno pagar as passagens aéreas dos meninos, enquanto estudam êles no Colégio-padrão.

Não sei se o eminente Des. Anísio Maia já deu parecer ao mandado, que só depende dêsse parecer.

IX

Vieira Chaves tem 23 anos de serviço público, seis dos quais no cargo de Contador, de que o exonerou o Governo, alegando que o exonerado não possui diploma.

O Supremo decidiu magistralmente que o funcionário pode ser destituído da função, em que não tenha habilitação técnica, mas com aproveitamento noutra, compatível e de remuneração igual.

X

Amanhã, 29, ocuparei a Rádio Difusora, para ser entrevistado por José Lopes dos Santos a respeito do caso Chessman, que empolga novamente a opinião pública mundial com a aproximação do dia da exceção.

Neste jornal escrevi longo artigo a respeito do assunto: sou favorável à comutação da pena de morte imposta ao prisioneiro da Califórnia, pelas razões que direi na entrevista.

XI

Ontem, 27, dia da chegada do velho amigo Chagas Rodrigues ouvi o trovão mais estrondoso que as forças da natureza já mandaram para as olças desde que esta chapada é chapada.

Lembrei-me do eminente Dr. Clidenor Santos.

XII

O digno Deputado Paulo Ferraz obteve, para a Secretaria, uma camionete. Ainda bem.

No dia 31 de janeiro de 1961 o "Estado do Piauí" e "Caravana" publicarão certamente a realização, como publicaram esta, com o nº 50, no dia 31 de janeiro de 1960:

"Aquisição de camionetes para a Assembléia, Secretaria de Polícia, Secretaria de Finanças e de um caminhão para as Fazendas Estaduais".

É bom realizar de camionete, buzinando, no preço talvez de Cr$ 800.000,00 cada uma.

XIII

Meu ilustre conterrâneo Audir Rebêlo quase diariamente é visto na Igreja de São Benedito, ajoelhado, rezando, de escapulário. Hora da penitência: entre 7:30 e 8 da manhã.

XIV

Frase célebre, que o velho amigo Chagas Rodrigues arrancou com gancho, depois de longa inspiração no Consultório: "o povo deve confiar em mim como eu confio no povo".

Isto a propósito da promessa de consertar, já e já, o IAEE.

XV

No dia 30 de abril de 1960 faz 15 meses que o ilustre Dr. Chagas Rodrigues governa o Piauí. Dêsses 15 meses, 5 foram passados fora do Estado, no Rio, Fortaleza, Recife e Brasília, no mínimo. Um terço do período fora, dois têrços cá, fora as viagens dentro do próprio Estado. E esta a estatística:

1ª VIAGEM - ida 19/2/59 - regresso 7/3/59

2ª VIAGEM - de 5 de abril a 28 de abril de 1959

3ª VIAGEM - de 4 a 18 de junho do mesmo ano

4ª VIAGEM - de 19 de julho a 1º agosto do ano passado

5ª VIAGEM - de 30 de setembro a 26 de outubro

6ª VIAGEM - de 3 a 16 de janeiro do corrente

7ª VIAGEM - de 11 de fevereiro a 4 de março de 1960, com carnaval no Rio

8ª VIAGEM - de 5 a 10 de abril de 1960

9ª VIAGEM - de 18 a 27 de abril, recentemente

Para o interior, foram realizadas 6, totalizando 15, nos 15meses, uma por mês.

De mim, Chagas viaja mas o descanso não é só seu. Meu é que também é, com Tibério ao leme.

XVI

Noite sem chuva, sono nos olhos, silêncio na vida das cousas e dos homens. Lembro-me neste instante da mensagem de Tagore: a falta de amor é uma espécie de imbecilidade, porque o amor é a perfeição da consciência.

Sêneca, no atestado de José Rêgo, o admirável confrade conterrâneo, andou dizendo isto: o essencial para ser justo é ser inteligente.

Numa hora avançada da noite penso no velho amigo Chagas Rodrigues, em Tagore, em Sêneca. Coincidência? Ou o primeiro esqueceu a lição dos últimos, dando preferência aos conselhos dos maus?

O silêncio da noite das cousas e dos homens reclama meditação. Meditando, o espírito alcança a verdade, e isto basta.


A. Tito Filho, 01/05/1960, Jornal O Dia

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