Terceira Parte
Desde janeiro, o Governador Chagas Rodrigues vinha prometendo aumento de vencimentos ao funcionalismo. A princípio, o governante confortava professores primários e secundários. Ao depois, advertido de que a aflição era universal, comum a todos os funcionários, resolveu conceder aumento geral. Lembra-me o fato de ter ouvido, meado agosto, fala radiofônica anunciadora de um Projeto sábio e justo, que se estava preparando. Mas só a 14 de outubro (data da Mensagem) o Sr. Chagas Rodrigues encaminhou a proposta ao Legislativo. Lendo-se o trabalho oficial, a gente facilmente conclui que tudo ali foi feito à pressa, de afogadilho, tantas são as falhas técnicas, os senões, a jeito de quem manda recados urgentes no instante da partida do avião.
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Esse Projeto vai entrar em regime de velocidade a partir do dia 21 de novembro. Poderão os Senhores Deputados estudá-lo, examiná-lo, analisá-lo, no período de nove dias? É criterioso admitir que a Assembléia Legislativa esteja a decidir questões de suma importância, nesse abrir-e-fechar-de-olhos, despercebida de que a legislação dos povos deve ser sábia, produto da meditação e da consciência moral e jurídica?
A atual sessão legislativa instalou-se em junho. De junho a novembro, que fizeram os ilustrados representantes do povo? Nada. Receberam os subsidios? Sim. Legislaram? Não. A Assembléia funcionou como Poder Político, repercutiram no seu seio graves acontecimentos do Estado? Não. Respirou o regime, como queria Rui, pela eloqüência dos debates parlamentares? É negativa a resposta.
Mas neste instante a Assembléia está convocando sessões extraordinárias noturnas, com mais trezentos cruzeiros por dia a cada deputado. Ao tempo do trabalho, férias, com percepção integral de subsídios. Agora, legislação a toque-de-caixa e parte variável dos subsídios em dobro.
Não haverá, na Assembléia, algum patriota que dispense essa sangria nos cofres públicos?
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Passo ao projeto. O artigo 1º propõe novos padrões de vencimentos e salários. Aqueles começam na Letra E (2.500,00) e terminaram em ZR (10.000,00). Êstes (os salários) têm inicio na referência V (2.500,00) e prosseguem até a referência XXIV (5.000,00).
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O Prof. Vidal de Ferreira, ilustre autoridade nesses assuntos, confirmou, num programa de rádio, êste fato, salientado por mim: a abolição das letras iniciais do alfabeto e dos sinais também iniciais representativos da numeração constitui lamentável falha técnica do projeto.
Observe, entretanto o leitor: enquanto o salário do trabalhador, em Teresina e Parnaíba, está fixado em quatro mil cruzeiros, e nos demais municípios em 3.360,00, a partir de 18 de outubro, o Estado do Piauí concede a mais de dois mil funcionários públicos, que ganham dois mil cruzeiros mensais, a esmola de mais quinhentos, a partir de 1º de janeiro de 1961. E enquanto tem tal procedimento, cria cargos de elevada remuneração, aquiescendo ainda em conceder aumentos desproporcionados a alguns, no valor de seis, oito, dez mil ou mais, deslembrado de que mais de dois mil terão o humílimo favor de passar de dois mil para dois mil e quinhentos.
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O artigo 2º fixa vencimentos da Policia Militar, com dois mil e oitocentos para o soldado de fileira e 17 mil para o Tenente Coronel. O Coronel na inatividade ficará com 18 mil.
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O artigo 3º regula a aplicação da Lei 756, no tocante a médicos e dentistas do serviço de Saúde da Polícia Militar.
Pelo art. 4º são regulados os novos vencimentos da magistratura, que vão de 14.000,00 (juiz de 1ª entrância) a 25.000,00 (desembargar). No artigo 5º se define a questão dos decênios e adicionais dos magistrados.
Promotor de categoria mais baixa terá 12 mil, Subprocurador ficará com 22 mil e o Procurador Geral perceberá 25 mil (art. 6º).
Os Subprocuradores (art. 7) ganharão mais a gratificação de 3 mil.
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O artigo 3º é o que abole letras do alfabeto e sinais da numeração.
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Pelo 9º, os funcionários que não tenham padrões representados por letras do alfabeto terão aumento de 2 mil (os que ganham entre 9 e 15 mil) e de 1.500 (os que percebem acima de 15 mil).
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O artigo 10 cria os seguintes cargos, em comissão:
1 Chefe do Gabinete Civil do Governador - 25.000,00
1 Chefe da Casa Militar do Governador - 25.000,00
1 Consultor Geral do Estado - 25.000,00
1 Advogado Geral do Estado - 25.000,00
1 Secretario de Imprensa do Palácio do Govêrno - 18.000,00
2 Subchefes do Gabinete do Governador - 18.000,00
2 Oficiais de Gabinete do Governador - 15.000,00
1 Diretor Geral do Departamento da Educação - 18.000,00
1 Diretor Geral do Departamento de Viação e Obras Públicas - 18.000,00
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No artigo seguinte, 0 11, são criados mais os seguintes cargos isolados, de PROVIMENTO EFETIVO, independentemente de concurso:
1 Advogado do Estado - 20.000,00
1 Engenheiro - 18.000,00
1 Agrônomo - 18.000,00
2 Técnicos Rurais - 14.000,00 (cada um)
1 Auxiliar de Engenheiro - 14.000,00
1 Contador (para o DAG) - 14.000,00
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Só com os cargos dêsses dois artigos o Estado passará a gastar, anualmente, a bagatela de Cr$ 3.984.000,00.
Na proposta orçamentária de 1961, o mesmo Governador Chagas Rodrigues pediu a verba de Um Milhão e Quinhentos Mil cruzeiros para gratificação ao pessoal do seu gabinete. Mas no projeto de aumento o Governador não pediu a extinção da verba. Assim, o Gabinete vai ter vencimento altissimos, acrescidos certamente, ainda, de gratificação.
Pela Proposta orçamentária de 1961, o Palácio do Governo disporá mais de oitocentos e vinte mil cruzeiros para publicidade, seiscentos e sessenta mil cruzeiros para programas e trabalhos específicos e novecentos mil de eventuais, além de subsídios e outras verbas.
Para que tanto dinheiro com publicidade, numa terra em que a maior publicidade, a triste publicidade é a miséria do povo?
Para que tantas festividades nas ventas de um povo que está morrendo de fome?
Que programas são esses? E que trabalhos específicos são êsses, reclamadores de quatrocentos e vinte mil cruzeiros anuais?
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Observem os leitores a criação de um cargo de Secretário de Imprensa, com 18 mil cruzeiros por mês. O Piauí, que paga dois mil e quinhentos cruzeiros por mês a mais de dois mil barnabés, pode luxar pagando 18 mil cruzeiros mensais por uma sinecura? Que faz em Carnaque um Secretário de Imprensa? Copia telegramas recebidos pelo Governador e manda-os aos jornais? Só isso? Pois é isso que até agora tem feito essa pomposa Secretaria de Imprensa.
Eu, A. Tito Filho, superintendo o trabalho jornalístico de "Jornal do Piauí" e publicamente me comprometo a publicar os telegramas que o Sr. Chagas Rodrigues me mandar. De graça. Carnaque não receberá cobrança de um tostão.
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Que Secretaria de Imprensa é essa, quando o Govêrno possui na Imprensa Oficial do Estado um Diretor Geral com os vencimentos atuais de 9.500,00, 1 Diretor de Obras, com 16.400,00, 1 Redator-Chefe, com 9.500,00, 1 Redator-Secretário, com 9.500,00, e 1 Diretor de Redação, com 9.500,00?
E a Casa Civil não estará capacitada com 1 Chefe, 2 Subchefes e 2 Oficiais de Gabinete para copiar telegramas e mandá-los aos jornais? E os funcionários adidos a Carnaque?
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Observem mais os leitores a criação de 1 Consultor Geral do Estado e 1 Advogado Geral do Estado, com 25 mil cada um, e outro Advogado do Estado com 20 mil.
Isto é uma afronta ao povo martirizado desta terra. Então a finalidade do Governo é lutar judicialmente? Que pretende o Governo com essa grosa de advogados? Agora mesmo o Governo pediu à Assembléia 300 mil cruzeiros de verba para pagamento de advogados. E os daqui, os que já estão em Carnaque, percebendo por todos os lados e por todos os cantos?
O Estado do Piauí já possui um Procurador da Justiça, 2 Subprocuradores, 1 Consultor Jurídico no DAG (13.120,00 atualmente), 3 Procuradores da Fazenda e 1 Procurador do Domínio do Estado (20.500,00 cada um, atualmente), 3 Advogados de Ofício, 1 Consultor Jurídico na Polícia, 1 Consultor Jurídico na Educação, 1 Consultor Jurídico na Aviação, 1 Consultor no IAEE, 1 Consultor no DER, e mais outros de que não me recordo, no momento.
E lá se vão agora um Consultor Geral, um Advogado Geral e 1 Advogado. Seria interessante que o Sr. Chagas Rodrigues criasse logo lugares de Advogados em Brasília e na Guanabara, evitando, dessa forma, contratos de profissionais, naqueles centros brasileiros.
Quais serão os felizardos que o governante escolherá para êsses cargos principescos, com expediente debaixo dos oitizeiros do Praça Rio Branco?
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No artigo 11, como viu o leitor, são criados dois lugares, um de Engenheiro e um de Auxiliar de Engenheiro. É o caso de perguntar: Quantos existem no Departamento de estrada de Rodagem?
Na Secretaria de Viação já há um, com 12 mil (vai subir), um Auxiliar, com 12 mil (vai subir), 1 Arquiteto, com 12 mil (vai subir) e 1 Assistente Técnico, com 14.400,00. Que necessidade há de mais engenheiros, numa terra em que o Estado compra prédios já feitos?
E técnicos rurais e agrônomos? Para que? O Estado já não possui agrônomos? E o Governo Federal não possui aqui, em regime de acôrdo, o Fomento da Produção Animal, da Produção Vegetal, da Defesa Animal, da Defesa Vegetal, do Reflorestamento?
Que cargos são êsses de Diretoria Gerais do Departamento da Educação e do Departamento da Viação? Esses Departamentos não estão transformados em Secretarias de Estado? Além disto, a Secretaria de Viação já possui um Diretor, com 9.500,00, além do Secretário de Estado.
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Dos cargos que o governador quer criar nos artigos 10 e 11, como o leitor viu da relação acima, há necessidade, exclusivamente, de um contador para o DAG.
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Eis um pequeno retrato do Projeto, tido como de aumento justo e condigno de vencimentos. Pois sim.
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Os Senhores Deputados terão coragem de aprovar essa reputação, entre amigos, dos bens do Tesouro? A consciência de cada um dará a resposta.
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Prosseguirei esta análise no próximo número dêste jornal.
NOTAS
1) O órgão "Estado do Piauí", domingo, em primeira página, lugar de honra, muito se preocupou com meu jornalismo, que, segundo se depreende, dá fortes dores de cabeça ao governo e especialmente ao Secretário Edison Ferreira, exibido a Lott, num comício, como prova de carinho do Governador Chagas Rodrigues ao PSD. O jornal quer que eu seja xingador de senadores e Deputados. Não. Enganou-se. O jornal deseja que eu ataque a UDN e o Governador Tibério. Não os ataco porque não estão merecendo ataques. Demais, meu jornalismo é dirigido e orientado por mim. Jamais seria Secretário de Estado nominal. O real é o barrense Josípio Lustosa.
Interessante é que o jornal afirmou que o Sr. Edison Ferreira é "uma das maiores reservas morais de nossa terra". É. Ninguém ponha nisto dúvida. Nem o próprio Secretário Edson. De mim, sou apenas reserva do Exército. A reserva de Edison é tão reservada, que só alguns tinham conhecimento dela. Apresento, neste instante, meus cumprimentos ao ilustre Secretário, pelo merecido elogio recebido.
Aliás, o Secretário Edison já sabe que o Governador Tibério, junto com o mandato de Richard, cumpriu outro? Aqueloutro que afasta o Sr. Cronemberg Reis (amigo de Edison) do lugar de 1º Suplente de Juiz de Canto do Buriti e coloca no lugar o Sr. Antônio Moura Lima (amigo de Valdemar Macedo)?
Como vai o inquérito para apurar contrabando nas cancelas de São Raimundo? Valdemar Macedo prestou depoimento, na polícia. Lembre-se, Edison, de que Lott foi derrotado. Sua missão de atestar carinho está terminada.
2) Com muito prazer, nos dias 16 e 17, entrevistei, na Rádio Difusora,a Professora Maria Ester Carvalho, autoridade em assuntos de educação alimentar. A respeito das entrevistas publicarei notas em "Jornal do Piauí". A ilustrada representante do Governo Federal retornou, dia 18, à Guanabara.
3) Notável o discurso do Senador Clark, no Senado da República, a respeito do caso Richard. Sereno e verdadeiro.
4) O Governador Chagas Rodrigues atacou muito o Governo Gaioso, deslembrado de que o apoiou durante três anos. Os ataques foram publicados na imprensa carioca.
5) O notável jurista Carlos Medeiros da Silveira, Procurador Geral da República, deu parecer favorável à intervenção federal pedida pelo Tribunal do Piauí.
A. Tito Filho, 20/11/1960, Jornal O Dia
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