Quer ler este texto em PDF?

sexta-feira, 25 de março de 2011

SALVO MELHOR JUÍZO

MEMÓRIA SENTIMENTAL

Há dois anos, em 19 de janeiro de 1958, relembrei aos piauienses o aniversário de Eurípedes de Aguiar, escrevendo mais ou menos isto, em artigo para "Fôlha da Manhã": no dia de hoje, nascia, há muitos anos, no velho são José dos Matões, uma criança, maranhense pelas circunstâncias geográficas do nascimento, mas que se tornaria, pela filiação ilustre, pela paixão da terra, um dos piauienses de mais notoriedade do seu tempo. Médico, laureado com viagem à Europa depois de currículo brilhante, descreu da Medicina, que andou aplicando ainda, ajudado das ervas indígenas, nos seus primeiros tempos de formado. Para êle a arte de curar tinha muito de adivinhação e boa sorte: dificil era o diagnóstico, difícil a aplicação do remédio. Por isso preferiu receitar pilúlar, mastruço, a impressionar-se com os nomes gregos que dão importância aos remédios. De médico possuía entretanto as maneiras, o gesto, o espírito - sorriso aberto, bom humor - infundia confiança e transformava a aflição, a angústia, a dor alheia, pouco a pouco, em serenidade - uma serenidade sempre pronta a aceitar a tormenta como imposição da própria vida.

Descrente da Medicina, dela se divorciou para amar a Política. Conheci-o à frente do movimento de 1945, época em que ajudou a fundar a União Democrática Nacional e em que fêz do jornal a sua arma, a sua trincheira.

Era o jornal o segrêdo maior da fôrça de Eurípedes. Jornalismo forte, vivo, escorreito, vencia com a verdade, procurando no adversário a fraqueza, o complexo, o rídiculo, para expô-los com maestria, ironicamente. Lembrava sempre, no manejar da pena, Moliére, seu velho autor de cabeceira - e espalhava a crítica que se impunham ao povo.

Em 1950, perdeu a batalha de sua própria candidatura. Mas não esmoreceu, para não desmerecer. Tinha ainda o espírito forte, a confiança nos seus conterrâneos e sobretudo o jornalismo. Um artigo do velho batalhador valia o jornal. Fraquejam-lhe, porém, as forças físicas. Tombou, de colapso, num dia de março, rodeado da ilustre família o grande homem que tanta honra deu à terra de sua escolha espiritual.

Com Eurípedes - digo hoje - morreu um bocado da UDN. Levou êle para o túmulo o segrêdo do comando no partido, nem transferiu a batuta a companheiro.

II

GATO

Em meu último artigo para êste jornal saiu homenzarrãozinhos, mas o certo é homenzarrõezinhos, conforme ensinamento gramatical da formação do plural dos diminutivos. O leitor, sempre inteligente, corrigiu com certeza a desatenção, o gato.

III

CONFIRMAÇÃO

Outro dia, escrevi que o Governador Chagas Rodrigues apoiou o nome do Sr. José Cordeiro Neto, gerente do Banco do Estado, para disputar a presidência da Federação Piauiense de Futebol. É verdade. Os partidários da candidatura dêsse ilustre homem público entenderam que a sua qualidade de parnaibano poderia redundar em exploração política: aí passaram o Sr. José Cordeiro Neto a vice-presidente.

IV

LINGUAGEM

Gázua, diferente de gazua, não aparece nos dicionários modernos. A palavra está, entretanto, no velho Morais: gázua, gazu ou gaziva é expedição militar, ou o dano que os maometanos faziam aos apóstatas de sua lei, esfarrapando-lhes as carnes. No seu Dicionário, Nascentes oferece três formas sinônimas: gázua, gazia ou gaziva, expedição guerreira, de árabes contra tribos inimigas. Essas mesmas formas estão registradas na "Gramática Histórica Portuguesa", de J. J. Nunes, 191, 2ª edição. Tôdas têm uma proveniência comum, o arábe gazura.

No vocabulário oficial vi apenas gaziva, mas gazia foi recolhida por Francisco Fernandes, em dicionário recente, de 1956. PArece que as formas gázua e gazu estão desusadas.

Embora tenha o português gazia e gaziva, desprezam-se os escritores para adotar o francês razzia, que muita gente, inadvertidamente, pensa ser palavra italiana.

Para os franceses razzia dimana também do árabe, e significa incursão para roubar, saque, destruição, vandalismo. Portuguesamente, deve escrever-se razia, com um z somente, da maneira que registram os dicionários e o vocabulário da Academia Brasileira. É de Camilo o exemplo:

- "... era uma razia no mulherio de Barroso" (Eusébio Macário - 14 - 9ª edição).

Advirto o leitor de que razia é feminina e nada justifica a pronúncia rázia.

V

TRÂNSITO
 
Gaioso começou a reforma do trânsito nesta Capital: pelo menos criou uma Diretoria Geral e nomeou Delegado efetivo, este môço simples e conhecedor do riscado que se chama Matias Melo Filho. O governador Chagas Rodrigues entregou agora a Matias cêrca de três dezenas de guardas de trânsito, depois de criar cargos respectivos, letra O de penacho. Ontem, Matias arrematava aquele cabo de guerra francês, pois tinha ponto estratégico, cálculos, pólvora, mecha, mas não tinha canhão. Agora a Diretoria Geral possui o que Matias reclamava, há tempo: material humano. Pode dedicar-se, como já se vinha dedicando sem meios de fiscalização, à tarefa de consertar o trânsito em todos os seus aspectos, numa terra em que os motoristas, as mais das vêzes, guiam sem habilitação legal; em que o estacionamento ainda está mal ordenado; bicicletas varam calçadas em todas as direções; não há indicação de ruas preferenciais; a buzina e a velocidade escolhem propositadamente escolas e hospitais; as estradas de intenso tráfego não têm fiscalização de espécie alguma; os carros de aluguel são mal dispostos nos locais em que estacionam. Teresina cresce e serve-se cada vez mais do carro de aluguel, mas paga pela viagem de 300 metros o mesmo de uma viagem de 600 metros. A Capital reclama taxímetro, para justo prêço da distância percorrida. A lei determina que cidades de mais de 500 mil habitantes adotem o taxímetro, mas não o proíbe para cidades de menor população.

O problema maior do Diretor Marias Melo Filho, moço estudioso de questões de trânsito, é educar o povo, educar o motorista, o pedestre, para o zêlo da vida humana, da bôlsa, da tranqüilidade pública.

VI

ESCOLA NORMAL

o Prefeito Petrônio Portela criou, em Teresina, um ginásio e uma escola normal. Andou bem com o primeiro, andou mal com a segunda. De ginásio precisa a terra, pois os ginásios vivem abarrotados. De escola normal, não. As moças de hoje quere ser tudo, menos professoras, pois a essa profissão os governos negam todos os incentivos: o leiguismo é a praxe.

O ensino normal em Teresina foi criado pelo governador da província Franklin de Meneses Dória, no século passado, pelos idos de 1865. Fechou-se, entretanto, um ano depois, por falta de alunos a escola, restaurada neste século graças à compreensão de Matias, Antonino Freire, Eurípedes e outros.

De 1930 a 1945 a normalista teve o seu prestígio. Era uma espécie de cadete de saias. Terminando o curso, o lugar de professora estava seguro. Casamento, ideal de môça, facilmente se encontrava, em virtude da comodidade da profissão de marido de professôra. Lembro-me de que o prestígio da normalista lhe dava cinema de graça, duas vêzes por semana, no Teatro e no Olímpia. Sessões chiques, cheias de pretendentes a lugar de marido.

Com a redemocratização do país, a politicalha tomou conta do magistério primário. Anulou-se o diploma. Começou a decadência da Escola Normal: para que formatura, se os votos do cabo eleitoral podiam nomear? Basta observar que a Escola Normal já possui ginásio, criado na administração Rocha Furtado, e as moças do ginásio lotam quase tôda a escola. O ensino normal ali é constituído de três turmas, uma de cada série, e cada ano decresce o número das diplomadas.

Quando fui nomeado professor da Normal, a turma única de concludentes se compunha de 38 senhoras, em 1951; no ano seguinte, 29, depois 24, em seguida 19. Essa estatística demonstra que a diplomação de professora não engana mais a ninguém.

Não vejo necessidade da criação de uma escola normal pela Prefeitura. Basta a do Estado, já deserta de alunas no curso de formação de professôras. Andaria Petrônio mais acertadamente se criasse outro ginásio.

VII

VIAJANTES

1 - O Governador Chagas Rodrigues voltará ao Rio no dia 2 de fevereiro. Vai desta vez a convocação do PTB. E para que voltou agora, à véspera de nova viagem? Receber Jânio?

2 - Está vontadoso de deixar o Piauí o dr. Ferreira de Castro, sôbre quem atiraram pesadíssima cruz para desconto de pecados. Modesto, simples e afável, com estas qualidades o antigo vice-governador ainda suportará o madeiro por muito tempo. Convença-se o Dr Ferreira que no Piauí muita gente gosta de tirar bicadas. Por isso, torna-se necessária a reação. Não prive o Dr. Ferreira a terra de sua saudável presença: fique, mas reaja. Viajar é com o velho amigo Chagas Rodrigues, que sabe consultar oráculos. Avião com êle sobe e desce, maciamente, com os meus votos e minhas preces. Chagas viaja, a mas a fadiga é de Tibério.  
 
A. Tito Filho, 21/01/1960, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário